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Maria do Carmo Freitas

"Quem traz na pele essa marca,
possui a estranha mania de ter fé na vida.”

Estes versos de Fernando Brand sintetiza maravilhosamente, o ser mulher. Um ser singular e de múltiplas possibilidades. Um ser que tem o dom do amor e da emoção. Que mesmo nas adversidades, não desiste de lutar por uma vida e um mundo melhor.

No intuito de desvendar o “mundo feminino”, a mulher tem sido sujeito de estudo por parte de filósofos, sociólogos e (d) escrita em prosa e versos, por inúmeros escritores, no mundo inteiro. A escritora francesa Simone de Beauvoir, no livro, “O Segundo Sexo”, afirma que o ser mulher é uma construção, que se estabelece nas relações com o outro, nas suas experiências e vivências ao longo da vida. Também o filósofo alemão, Martin Heidgger, autor do livro “Ser e Tempo”, escreveu que o ser humano se faz nas vivências e experiências de seu tempo. No livro, “A Terceira Mulher”, o filósofo Gilles Lipovetsky, relata o percurso histórico vivenciado pelas mulheres no contexto social, cultural, político, econômico e religioso, abordando também a mulher reconhecida para procriar, perpassando pela exaltação da mulher, cantada em versos e prosa e, por fim, a mulher contemporânea, dona de si mesma.

No Brasil, a socióloga e psicanalista, Regina Navarro Lins, no livro, “A Cama na Varanda” aborda a profunda transformação ocorrida nas relações entre o homem e a mulher, a partir dos anos 60. Regina Navarro fala também da eterna busca da mulher pelo amor romântico, a repressão sexual e da manutenção de casamentos que trazem mais sofrimentos que alegria, mas, que são valores que vem de longe e prevalecem até os nossos dias, arraigados à mentalidade contemporânea. Em seu estudo, Regina aponta que, embora a moral patriarcal ainda embutida no pensamento atual, que gera muitos conflitos nas relações afetivas, sociais e profissionais, a mulher tem percebido as suas próprias singularidades, não tendo mais que se adaptar a modelos impostos de fora. Essa mulher que abre hoje, espaços para novas formas de viver, experimentando novas sensações. Um ser intelectual, integrada ao mundo. Uma mulher que se reconhece e se faz ser reconhecida como um ser capaz, tanto social quanto profissional. Um ser que, harmoniosamente, desenvolve um potencial criativo e não mais se limitando ao papel de esposa e mãe. Então, quantas mulheres cabem dentro de uma mulher? “Voltando a Simone de Beauvoir, que afirmou:” Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Cabe afirmar, ser mulher, é de fato, uma construção social, mas que se consolida a partir de suas relações interpessoais realizadas no tempo, espaço e contexto social, no qual está inserida.

Essas obras refletem o modo de ser mulher, que além de ser mãe e profissional, exerce outros papéis, vivendo os diferentes modos de ser mulher. Vale dizer que a mulher contemporânea é o reflexo das suas escolhas e das relações que estabelece com o outro, ou seja, a mulher constrói e re-constrói a sua identidade e a sua história diariamente. Então, mulheres são tantas quantas a imaginação e a fantasia permitirem, sejam elas reais e ou ficcionais.

Por isso, vale lembrar, dentre tantas, mulheres que foram modelos revolucionários e humanitários. Que transgrediram e colocaram na vanguarda o pensamento feminino. Mulheres fortes, cultas e dedicadas à causa que abraçaram. Madre Tereza de Calcutá, que se doou aos pobres, na Índia, Zilda Arns, médica sanitarista brasileira, que salvou a vida de muitas crianças, Nise da Silveira, psiquiatra que revolucionou o tratamento da loucura no Brasil, Frida Kahlo, pintora e ativista mexicana. Frida é considerada uma mulher a frente do seu tempo. Ela se transformou em um ícone do surrealismo e do universo feminino dos anos 50. Angelina Jolie, atriz americana, ativista política e humanitária, que luta pelos direitos humanos e das mulheres, Malala Yousafzai, menina, que luta pelo direito das meninas estudarem, no seu país, o Paquistão. Malala foi ganhadora do prêmio Noel da Paz, em 2014.

Na Literatura mundial e brasileira são muitas as personagens femininas, fortes, sofredoras, sedutoras e enigmáticas. Molly Bloom, no livro Ulysses, de James Joice, proporciona um passeio pela pluralidade da alma humana. Ema Barory, em “Madame Bavory”, de Gustave Flaubert, tem personalidade complexa: delicada, egoísta, dramática, ingênua... Tereza, em “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera, é um personagem que carrega dores e traumas, porém é fascinante e instigante. Na literatura brasileira, como não citar a personagem emblemática, Capitu, do livro “ Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Em Capitu cabem várias mulheres, o que faz dela umas das personagens mais incríveis já (d)escrita, da nossa literatura. Por fim, Macabéa, em “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. Macabéa, pouco ambiciosa se entrega apropria sorte. Sua riqueza é a sua pobreza.

Dia Internacional da Mulher

Dia 8 de março, dia dedicado à mulher, é uma marca simbólica para lembrar um histórico de luta, reivindicações, conquistas e avanços, mas também para denunciar um cotidiano de exploração, preconceito, opressão, discriminação e, principalmente, da violência, que fazem vítimas mulheres, em todo planeta, sejam elas ricas, pobres, cultas, analfabetas, brancas ou negras.

A revolução Industrial e os avanços tecnológicos e científicos, que marcaram o século XX e, trouxeram mudanças significativas nas crenças e atitudes em relação à sexualidade, a liberdade sexual, que favoreceu à mulher o direito ao sexo com prazer e com o parceiro desejado. A descoberta das pílulas anticoncepcionais que permitiram a mulheres fazer sexo sem engravidar, mas não as livraram de um companheiro violento, que as exploram, humilham e as agridem, a cada instante.

O direito de votar e trabalhar não proporcionou a elas, mais dignidade no trabalho, mesmo sendo maioria nas fábricas, nas redações de jornais, rádios e tvs, nas universidades, no comércio, nos hospitais e tantos outros segmentos profissionais. As mulheres ainda sofrem uma jornada excessiva de trabalho e com baixos salários, o que comprova a desvalorização profissional, mesmo mostrando competência e criatividade. Mas, combater a violência na qual é vítima, diariamente, é principal luta da mulher, hoje, no mundo inteiro.

No Brasil, segundo pesquisa Data Folha, mais de 500 mulheres são agredidas a cada hora. A Central de Atendimento à Mulher denunciam que os 51,06% dos atendimentos correspondem à violência física e 31,10%, a violência psicológica. Esta pesquisa mostra ainda, que 70% das mulheres, sofrem violência dentro de casa. Vale dizer então, que o Dia Internacional da Mulher, além de comemorar as conquistas pessoais, culturais, sociais, políticas e religiosas das mulheres nessa trajetória histórica, serve para também denunciar a violência que assola todas elas. Que políticas públicas de apoio à mulher, sejam de fato viabilizadas. Que programas de proteção e acolhimento possam chegar a todas a mulheres, em todos os cantos do país. Que as mulheres pobres possam ter mais acesso aos exames preventivos de mamografia e do colo de útero e, principalmente, que a Lei Maria da Penha possa realmente punir os seus algozes.

Que este dia dedicado à mulher possa lembrar também as mulheres anônimas, comuns, trabalhadoras, mães, esposas, namoradas, amantes… Que as Marias, as Raianes, as Giseles, as Gabrielas... possam ser felizes, no trabalho, no amor e viver toda magia de ser mulher, colocando em prática toda a experiência que o mundo feminino lhes conferem.

Este texto eu dedico a Noida, moradora do bairro Rosaneves, que todo dia levanta às 4 horas da madrugada para trabalhar, voltando só à noite. Noida esbanja alegria e bom humor, apesar das dificuldades enfrentadas no seu dia a dia.

 

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A propaganda eleitoral no Brasil me remete a um teatro. Mas, um teatro de texto superficial inconsequente, antipedagógico, na qual os atores não passam nenhuma verdade.
Entretanto, ela me faz lembrar do  "teatro do absurdo",  criado por Samuel Beckett, escritor, ensaísta e dramaturgo irlandês, prêmio Nobel de Literatura em 1969, considerado um dos mais importantes dramaturgos do mundo, sendo referência internacional no teatro e na Literatura do século XX.

O "teatro do absurdo" com uma linguagem reflexiva e revolucionária, trouxe para o palco a crise espiritual de uma humanidade sem apoio aos sistemas metafísicos. Abordou a apoteose da solidão humana e sua insignificância. Tudo sem vislumbrar a esperança.

Na peça "Esperando Godot", Beckett faz uma análise da condição humana, colocando o ser humano em xeque-mate, e o que poderia parecer absurdo, fica angustiantemente normal. A  sua intenção não era contar uma estória e nem que a plateia voltasse satisfeita para casa, o que Beckett  pretendia, era revelar que a vida não era fácil e bela como muitas pessoas fingiam ser. Ele estava preocupado em fazê-las refletir/pensar sobre a condição humana e, como resultado, operar mudanças nas mesmas.

"Esperando Godot" retrata ironicamente a espera, apenas a espera interminal por alguém ou algo que nunca chega. São cinco personagens em cena, a peça começa e termina da mesma maneira, que comparando a nossa vida, pode significar que o tempo passa, mas as pessoas esperam, esperam que algo aconteça e transforme suas vidas.

A peça foi escrita em 1932 e discorre sobre a miséria do homem e do absurdo da sua condição, criando suspense e tensão dramática, como na nossa vida. É a visão trágica do homem e do universo.

O caráter inovador de Esperando Godot é bem atual, pois revela a perda de alguns valores éticos e morais do mundo pós-moderno. Expõe o modo de vida e de uma sociedade que se esvai a cada momento. O homem contemporâneo tem a identidade estilhaçada e, sem aparente destino, mas que busca uma realização. Entretanto, esse buscar se escoa no absurdo do cotidiano.

Enfim, o "teatro do absurdo" de Samuel Beckett, apresenta um humor pessimista e cáustico, mas revelador, pedagógico e filosófico e, sobretudo, verdadeiro.

É possível identificar algo em comum entre a peça "Esperando Godot" e a propaganda eleitoral brasileira? Sim. Ambas provocam riso. A peça, apesar da abordagem trágica, arrancava risada da plateia. A propaganda eleitoral tem também se configurado num "teatro do absurdo ao avesso". Não ensina nada e não leva a nada. O palco é escuro, sujo e nada inteligente. As peças são mal redigidas e as cenas mal dirigidas e interpretadas. O ensaio improvisado mostra o desfile de caras e bocas de personagens que não convencem. Os diálogos são recheados de promessas, de mentiras, de loucuras e de candidatos que querem apenas se arrumar. Basta ouvir dos atores e suas propostas, conhecer seus acordos e alianças para se concluir sobre o "vazio" das candidaturas e constatar que a mudança política é uma quimera.

Este é o palco da política brasileira. Há muito a plateia não prestigia, nem aplaude em cena aberta, porque o que sobrou foi desalento e decepção. O medo vence a esperança.

Para quem acompanha a propaganda pela TV e rádio, certamente tem noção de como será o nosso próximo Congresso, Câmara e Assembleias. A sensação é que, se houver renovação, pouco ou nada mudará. O funcionamento dessas casas está em descrédito. O brasileiro acredita que tudo será como antes: privilégios, corrupção, gastos superfaturados e impunidade.

Por isso, o eleitorado está tão distante e desinteressado do processo eleitoral, sinalizando que ele já deu o que tinha que dar.

Dessa forma, vale dizer que a representação política no Brasil precisa ser recriada, reinventada ou revitalizada, e, ainda que marqueteiros criem cenas mirabolantes para conquistar a simpatia da população, o discurso está desgastado, fragmentado e o eleitor percebeu que suas reivindicações estão em 2º plano, pois acabada a eleição somente os acordos formados no decorrer do processo eleitoral, terão importância.

Diante desse cenário que não convence, está difícil suscitar esperança no eleitor. O sentimento de impotência diante do “mundo da política” é entendido como sendo ele incapaz de promover as transformações que venham beneficiar a sociedade com políticas emancipatórias e não só compensatórias. Por outro lado, o  eleitor tem percepção que o seu voto vale muito pouco. E, é ainda com o sentimento da impotência que muitos eleitores se preparam para votar em branco ou nulo, o que pode ser um protesto consciente.

Porém, neste 4 dias que antecedem às eleições de 5 de outubro, vale lembrar as manifestações de junho de 2013, quando expressiva parcela da população desfilou a sua indignação, passando por cima de governo, partidos políticos e imprensa. O clamor das ruas deixou um recado: é necessário mudar padrões de gestão, melhorando significativamente os serviços públicos, com destaque para a saúde, educação, segurança e mobilidade urbana. É preciso dar um basta aos escândalos que flagram atores políticos nos mais diversos palcos da corrupção. É imprescindível realizar a reforma política, acabando com os discursos partidários, que pregam mudanças, para ficar tudo como está.

O certo é que estamos às portas de mais uma eleição da qual toda nação dependerá nos próximos quatro anos. E como será o país a partir de 2015 ? Que políticas serão implementadas para vencer desafios enormes como a crise econômica, o desemprego, a redução de benefícios sociais e a terrível inflação ? De acordo com especialistas, o próximo presidente, dificilmente vai alterar programas como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e o PROUNI. Estes programas estão nos braços da sociedade brasileira que se consolidaram como política pública eficaz para os mais pobres.

Enfim, este é um momento importante. É hora de eleger candidatos capazes de acabar com a corrupção e os privilégios em todos os níveis da gestão pública. E, mesmo com o sentimento de descrença, se você tem um candidato com perfil de trabalho, compromisso, competência e credibilidade. Vote nele. Mas acompanhe a sua atuação, cobre todos os dias o que ele prometeu e depois de eleito, não precisa bater palmas, nem jogar tapetes para ele passar. Ele também será um servidor público e foi eleito para trabalhar.

Porém, se a esperança em dias melhores não vencer o desalento, use a política da compensação. Apegue-se as artes, a música, a poesia. Elas são capazes de nos emocionar e nos alegrar. Aprecie um quadro de Frida Kahlo, leia a poesia de Adélia Prado, escute a música de Cazuza. Ele poeticamente pontou: "Decidi não ficar mais triste. Certas coisas não valem minha dor." Ou, ainda, vá ao teatro e se deleite de rir com a peça "Acredite, Um Espirito Baixou em Mim". Mas vote!

 

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“Se sou o Ribeirão, não sei
Sei que ele ecoa em mim.”
(Danilo Horta)

O escritor Roland Barthes em a “Aventura Semiológica”, afirma que a cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma linguagem: “a cidade fala aos seus habitantes, nós falamos à nossa cidade”.

Para a pesquisadora Valéria Aparecida S. Machado, a Literatura pela capacidade de promover o descolamento de elementos para a construção de novos significados opera como uma leitura que confere “um sentido e uma função” aos cenários da cidade, ordenando o real e lhe dando um valor.

Também a ensaísta Lucrécia D' Aléssio Ferrara, no livro “Olhar Periférico”, pontua: “por sobre as causas e consequências do fenômeno urbano estão as imagens da cidade: ruas avenidas, praças, coretos”, apontando para o fato de que a cidade se dá a ler nessas imagens e signos que a constituem, podendo ser transfigurada e reconstruída numa diversidade de significados.

Dessa forma, a literatura, na tentativa de suscitar uma reflexão sobre os modos como o homem se relaciona com o meio urbano, pontua que é neste espaço que se pode construir significados novos, mas sempre referenciando o passado.

No contexto da modernidade, como situar Ribeirão das Neves baseado nos conceitos literários e antropológicos? Como seus habitantes a vivenciam? Que imagens são guardadas na memória de seus habitantes. Que olhar dar ao município?

As explicações do arquiteto e artista plástico, Almandrade, sobre “cidade”, apontam caminhos para um melhor entendimento. Segundo Almandrade, estamos sempre a falar da paisagem urbana a partir de nossas relações com as contradições sociais, com o passado que a memória não esqueceu ou com os conflitos e harmonias que fazem o presente. E é sobre esse ângulo que se encontra uma causa, uma explicação para as imagens onde a cidade se deixa perceber.

Ainda segundo Almandrade, é na forma de imagens que a cidade ganha uma existência concreta na memória de seus habitantes, e que também documenta as mensagens do tempo. Isso porque sem as imagens que habitam a sua própria memória, a cidade estaria perdida num fragmento do tempo. Sem recordações o presente não teria continuidade.

Vale dizer que é nas lembranças e recordações que a cidade tece a sua história e busca, na infância, os antecedentes de sua contemporaneidade. Assim, as imagens que armazenam ou evocam a memória, é um túnel que nos leva a revisitar o passado, dentro de um contexto que deverá nos ajudar a dar sentido ao presente e do qual vamos compreender o passado.

Pode-se concluir, então, que nos vários tempos vividos de uma cidade, estão encenados as imagens de seu espaço físico e os significados de seus núcleos históricos. Enfim, é perceber diante de tudo isso a cidade como um espetáculo de imagens e metáforas.

Origem e espaço urbanístico de Ribeirão das Neves

Para falar de Ribeirão das Neves e contextualizá-la como município metropolitano, é preciso sinalizar as interferências sofridas nas suas relações espaciais e sociais, e que fizeram do seu espaço urbano um lugar de contradições, entrevistos nas suas imagens e signos.

Ainda hoje, não é difícil constatar que o seu espaço não deixa de conter em si um projeto de cunho político e para entender melhor as relações de poder que medem forças no município, se faz necessário apontar a memória como o lugar do entendimento e também de resistência a tudo de bom e ruim que a cidade vivencia. Ela, a memória, é o instrumento que serve para balizar as certezas e apontar as dívidas advindas de anos de desmandos políticos.

Para situar Ribeirão das Neves no Século XXI, e entender todas as suas carências e contradições, é preciso, antes de tudo, explicitar a sua origem e as mudanças ocorridas em seu território, ao longo de décadas. Hoje, a cidadezinha do interior só está na memória e em fotografias em branco e preto. O cenário atual é de um gigante com mais de 300 mil habitantes, que sangra por mais investimentos por parte dos governos federal e estadual, que venham alavancar o seu desenvolvimento econômico e social, melhorando, significativamente, a qualidade de vida dos seus moradores.

O Povoado de Neves começou em 1923, e as referências são uma rua, uma igreja, uma vendinha, um grupo escolar e poucos moradores. Em 1927, o Estado desapropriou algumas fazendas, entre elas parte da Fazenda de Neves, onde foi construída a Penitenciária Agrícola de Neves (PAN). Em 1938, a PAN foi inaugurada e no seu entorno começou o primeiro núcleo populacional da cidade. Considerável parte dessa população urbana vivia de empregos da PAN.

Lentamente, depois de pertencer aos municípios de Contagem, Betim e Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, em 12 de dezembro de 1953, fez a travessia de distrito para cidade. O Estado foi construindo outras unidades prisionais no município, confirmando a sua intenção de transformar o município em um “espaço carcerário.” Entretanto, as implantações dos presídios não foram acompanhadas de investimentos relevantes que melhorassem a qualidade de vida da população, pois os serviços essenciais como saúde, educação, infraestrutura e saneamento, habitação e geração de renda, continuam precários.

É na década de 70 que Ribeirão das Neves entra no cenário metropolitano, não exclusivamente como “espaço carcerário”, mas também sob o codinome “espaço popular.” Isso porque passou a ser palco da especulação imobiliária, que abriu na cidade vários loteamentos irregulares, em sua maioria, ocupados por população de baixa renda.

A falta de um Plano Diretor (PD) que norteasse a ocupação e uso do solo urbano, acarretou o inchaço populacional, transformando o município num dos mais pobres do Estado de Minas Gerais, apresentando um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) comparado aos municípios do Vale do Jequitinhonha. Assim, Ribeirão das Neves passou a conviver com uma gritante injustiça social, recebendo, concomitantemente, os estigmas de “cidade presídio” e “cidade-dormitório”. Dessa forma, o quadro de carência, miséria e exclusão, consequência da grande concentração populacional e da falta de recursos públicos para atender as inúmeras demandas no que tange aos serviços essenciais, ilustra o dia a dia de uma massa de trabalhadores sofrida e desinformada e que grita por uma vida com mais dignidade.

Paola Rogêdo Campos, doutoranda em Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em sua tese sobre Ribeirão das Neves, afirma que o município é um aglomerado urbano (Centro, Veneza e Justinópolis). Segundo Paola, a relação espacial entre as regiões é bastante tênue e desconexa, o que evidência o processo desigual da ocupação territorial. A presença de grandes vazios e as conexões com o entorno configuram, segundo Paola, uma articulação fragmentada do espaço e, por isso, ela chama o seu estudo de "Arquipélago de Ribeirão das Neves", ou seja, a metáfora de um "arquipélago" é a comparação de um espaço fragmentado, desarticulado e sem identidade.

O certo, porém, é que, desde a criação do município, os processos decisórios ainda são comandados e coordenados pelo Estado, “de cima para baixo” e “de fora para dentro”, como instâncias de poder superior separadas da política local. Vale dizer, portanto, que há forças políticas em conflito: de um lado um “bairro popular” e, de outro, uma originária “cidade-presídio”. Enfim, constatar essa afirmação no dia a dia do município não é um blefe. Ribeirão das Neves é articulado e comandado de fora pelo governo do Estado de Minas Gerais, que era - e ainda é - o grande organizador do espaço municipal.

Aniversário

“Se sou o Ribeirão, não sei
Sei que o levo comigo
E deixá-lo não consigo”.

Completar 60 anos de Emancipação Política é tão emblemático para Ribeirão das Neves como são também os versos do poeta nevense, Danilo Horta, que traduziu em poesia o sentimento de pertencimento, desvendando através da memória, o modo único de viver de uma cidade.

O Ribeirão que nasce no morro do Anil e que passa cortando a cidade, é mais que a origem do nome “Ribeirão das Neves”.  O “Ribeirão” é um símbolo. A história que dele emerge traz um emaranhado de significados e saudades e, principalmente, porque através dele se busca uma identidade. Uma identidade que estabeleça relações entre o sujeito do “agora” e as histórias que a cidade conta.

Por isso, ainda que os conflitos oriundos das profundas transformações no espaço urbano de Ribeirão das Neves, e que impediram a preservação da memória, o respeito às tradições, em diferentes tempos da cidade, ao comemorar o seu aniversário, é pertinente ter um olhar pelos seus significados, desvendando não só a sua geografia, mas também a sua alma, o sabor e as cores. Fazer uma viagem sentimental às ruas, bairros, enfim, aos espaços que cantam a sua história, lembrando sempre que, mesmo fragmentada, Ribeirão das Neves traz no nome o elemento primordial do seu nascimento, e ele significa hoje não só saudade, mas também esperança, pertencimento e a busca pelo progresso.

E por falar em memória, deve-se lembrar da “Epifania do 1º Ribeirando”, festa que aconteceu no dia 12 de dezembro de 1999, quando o município completou 46 anos de Emancipação Política. O 1º Ribeirando foi uma visita à nossa memória: a cidade, as ruas, as pessoas com quem se conviveu, os amigos, os parentes, os antepassados, as festas, o modo de viver dos moradores, os causos... Enfim, ao chamamento da saudade. Tudo sendo revisitado: os caminhos extintos pelo tempo, as sessões de cinema reprisadas na lembrança, os jardins em cores, os sons e aromas de uma “Esplanada”, a algazarra dos tico-ticos, os ribeirões despoluídos, as horas dançantes na casa dos amigos, a religiosidade, a amizade, o silêncio, a simplicidade... O 1º Ribeirando reverenciou a história de Ribeirão das Neves e abriu caminhos firmes para que o presente seja um permanente compromisso com o futuro, ficando, também, a certeza que amar o chão onde se nasce é fator preponderante para a construção da cidade e de sua identidade. O 1º Ribeirando foi o encontro de nevenses com a sua identidade, e que deixou marcas indeléveis. Quantos hoje sonham com o 2º, 3º Ribeirando.

Não podemos esquecer: somos ribeirão, terra, praça, prédios, escolas, igrejas e mundo. Existe em nós uma gigante cidade interiorana, mas, principalmente, um “Ribeirão Simbólico.”

Fica aqui o carinho e o abraço a Tânia Mara Carlos de Oliveira, então primeira dama do município, idealizadora que tão bem conduziu o 1º Ribeirando, festa que permitiu a diferentes gerações da cidade uma participação efetiva na organização da festa, oportunizando a todos o conhecimento da sua história.

 

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Quando se aproximava o mês de agosto, em Ribeirão das Neves, a expectativa dos moradores era de como seria a “Festa de Agosto”. Quando ela acontecia, a sensação que se tinha era que aqueles dias que movimentavam a cidade não deveriam acabar, pois um ano demorava a passar e os acontecimentos que modificavam o cotidiano de uma Neves tão pacata, trazendo religiosidade e alegria, era tudo de bom.

Isso num passado não muito distante. A cidade era pequena e nada acontecia a não ser a tradicional Festa de Nossa Senhora das Neves. Tempo em que os católicos nevenses transbordavam de religiosidade e fé para celebrar a padroeira. A preparação tornara-se tradição, passando de geração a geração. Era o respeito da sociedade e do poder público à fé católica.

Durante a festa, a face da cidade e de sua gente ganhava fisionomia e dimensões que não eram só de um município que abrigava uma grande penitenciária. O importante era se contagiar da alegria e dos ares festivos que embelezam a cidade e as pessoas. Então, Neves se enchia de pura poesia, tudo refletia mais intensamente, o vento, o sol, as luzes, as cores e os olhares dos moradores.  Além disso, a alegria de festejar Nossa Senhora das Neves, contagiava os moradores de municípios vizinhos, que, em romaria, vinham prestigiar as solenidades, enchendo a igreja, a praça, a avenida e ruas. E, surpreendentemente, aquele jeito tranquilo de viver nas ruas calmas e sem barulho, no dia 5 de agosto, mudava. E a grande novidade, eram os camelôs que faziam a alegria da criançada, além de um parque de diversão e um circo de tourada. O grande barato era curtir a festa o dia inteiro. E assim, Ribeirão das Neves se transformava em uma grande confraternização eucarística e social, num tempo em que o medo de assalto não existia, pois o ir e vir eram seguros e sem policiamento; as portas dormiam destrancadas!

Para mostrar a importância da festa, os moradores pintavam suas casas e, na família, todos ganhavam roupas novas para ir à missa. Tudo tão simples. O que importava era a fé, simbolizada no levantamento de Mastro de Nossa Senhora das Neves, que culminava com o show de fogos pirotécnicos, a missa solene e a procissão.  A parte social acontecia na barraca em volta da igreja, onde as regras de convivência eram sempre respeitadas. O festeiro promovia um leilão, um baile e, sempre no dia 5, oferecia um almoço para os moradores.

Na década de 1980, a cidade ganha muitos novos moradores e tudo começa a mudar. A tradição religiosa vai mudando na sua essência. Mesmo ganhando o glamour do poder público, a Festa de Nossa Senhora das Neves vai se descaracterizando, Ribeirão das Neves ganha ares de cidade grande, misturando religiosidade e comércio. A inovação introduz shows de artistas famosos e numerosas barracas de alimentação e de bebidas, armadas na Rua Ari Teixeira da Costa. Cresce a participação dos bairros nos ritos religiosos. A festa continuava, ela só tinha sucumbido aos tempos modernos também impostos à cidade. Neste momento, a tradição permitiu eliminar o que não era mais sustentável e incorporou novas ações. A festa florescia em versões diferentes e era uma tradição ressurgente na sua forma. Ela tinha que se adequar ao tempo, a interferência dos meios de comunicação, ao consumo exibicionista e tudo mais que o poder político podia oferecer para também tirar proveito. Mas, em meio ao mundo em descontrole, a festa tinha apoio suficiente e a tradição da fé, sustentação.

Nos anos 90, a modernidade bate firme à porta da festa e as mudanças ocorrem também na igreja. Comissões litúrgicas e sociais dão novo tom às comemorações, substituindo a pessoa do festeiro. Mas, os moradores continuavam a esperar o dia da festa e participavam ainda com entusiamo das solenidades religiosas, mantendo a tradição maior do município. O baile de agosto ficava por conta de uma comissão social, que também  promovia outros eventos em prol de Nossa Senhora das Neves.

Porém, nos últimos 9 anos, a insegurança das pessoas por causa da violência, a Festa de Agosto perdeu muito do brilho de outrora, dando-nos a sensação que a festa da padroeira cada vez mais seria só lembranças em  fotografias. Outro agravante foi o pouco envolvimento do poder municipal com a tradição maior do município - vale lembrar que a história de Neves (incluindo a força da Festa de Nossa Padroeira), é maior que as facções político-religiosos que aqui venham e se estabeleçam.

É certo que Neves vive o fenômeno da mundialização e as estruturas da tradição foram se tornando cada vez mais complexas e novas faces foram por elas incorporadas, mas, ainda assim, faltou apoio do poder público para que as festas tradicionais do município se fortalecessem, adequando-se às situações e intempéries. Segundo pesquisador Fábio Braoios, a construção da tradição é fruto direto da capacidade humana de selecionar e acumular experiências positivas e ensiná-las aos seus semelhantes. Isso porque o homem,diante de outros animais, é capaz de criar uma identidade. Assim, a tradição é resultado das diversas ações individuais aceitas e reproduzidas pelo meio humano. Ainda segundo Fábio, o homem com uma imagem equivocada da tradição, nega-a como suporte para as suas contribuições. Porém, não se pode negar a herança da tradição. Ela mesma nos fornece munição para alvejarmos o que de errado verificamos no status quo. Por isso, é vital que o município invista em suas tradições e costumes. A renovação da tradição depende das gerações futuras, mas se não há investimento real, ela corre o risco de morrer, pois sem herança, o jovem perde o vínculo às suas tradições e raízes. Ribeirão das Neves é hoje uma cidade sem identidade, massificada e sem investimento de fato na cultura e na memória da cidade. O que se tem são poucas fotografias em preto e branco. Os espaços públicos não são de fato ocupados, pois a violência intimida os moradores, mas como lembra a música, o povo precisa de lazer e não só de comida. Vale lembrar que o município tem um batalhão de Polícia Militar que pode garantir a ordem e a segurança  em todos os eventos, acostumando a população ao convívio sadio.

Vale lembrar ainda que as tradições são necessárias e persistirão sempre, porque dão continuidade e forma à vida. Isto através do ritual, do cerimonial e da repetição. A tradição tem um importante papel social, algo compreendido e posto em prática pela maioria das organizações, inclusive os governos. Assim pode-se vislumbrar a festa do Sírio de Nazaré, em Belém do Pará, a Festa de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte, a Festa do Senhor do Bonfim, em Salvador e tantas outras pelo Brasil a fora. Pode-se ainda apreciar os lugares tradicionais de Belo Horizonte como o arco do viaduto de Santa Tereza, a Rua da Bahia e suas histórias, o Café Nice, o acervo arquitetônico da Pampulha e a própria mineiridade, tão singular. Todas essas festas e lugares nos fazem refletir sobre a nossa “ festa de agosto”. Ela nos faz esquecer que não temos só penitenciárias, que geram dinheiro e poder para quem as constroem, mas, principalmente, que as tradições estão na alma do povo e, repetindo o que disse o poeta, em Ribeirão das Neves, vive um povo que merece mais respeito.

O certo é que a festa remete aos nevenses um passado de boas recordações para com a tradição à Nossa Senhora das Neves. O que nós faz ter também esperança . Quem sabe a chegada de uma nova administração municipal trará bons ventos e mais investimentos à memória e as tradições do município, pois um povo sem história é um povo sem identidade. Contudo, ainda há tempo de se resgatar o que ficou perdido, e esta empreitada tem de ser de todos  nós cidadãos comprometidos em reinventar uma cidade infinitamente melhor para se viver.

Vale ressaltar ainda que a Praça Matriz de Nossa Senhora das Neves, outrora emblemática para os nevenses, hoje virou Praça Central, onde está tudo junto e misturando, comércio, cultos evangélicos e missas com portas fechadas. A culpa recai na modernidade, que permite misturar ritos eucarísticos com barulhos ensurdecedores, obrigando os fiéis fazerem da Praça Nossa Senhora das Neves, um espaço só de passagem. A inversão de valores nos mostra o que vale mais.

 

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"Nem foi tempo perdido. Somos tão jovens" (R R)

O outono se apresentava mais quente que o esperado e, no mês de junho, o que se vislumbrava era a Copa das Confederações. Como o Brasil é o país do futebol, o cenário que se desenhava era dentro das arenas fabulosas, construídas para receber os gringos endinheirados e torcedores brasileiros, satisfeitos, cantantes, vestidos de verde e amarelo.

A peça imaginada seria a do povo indo às ruas para comemorar a vitória da seleção canarinho e a Copa das Confederações se transformaria numa grande festa. Deu errado. O Brasil virou o palco da indignação, colocando em cena jovens atropelando partidos políticos, cientistas sociais, ideologias, intelectuais e também a imprensa. Todos pegos de surpresa, vindos a reboque das mídias sociais.

O Brasil se transformou em uma gigantesca onda de protestos que sacudiu os grandes centros urbanos e que  se interiorizou rapidamente. Protestos produzidos e organizados por jovens, que reconquistaram a rua como espaço de  expressão e de  explosão da cidadania. Cartazes como "Vem pra rua", "Saímos do face" e "Basta de corrupção", sinalizavam que os jovens encenavam uma peça singular e fora da web,  e que, pacificamente, convocavam a população para protestar com eles. Todos numa só voz, buscando  um Brasil melhor: mais justo e solidário.

Em atos sequenciais, o palco simbolizado nas praças, avenidas, ruas e viadutos das grandes e pequenas cidades brasileiras, virou palco da indignação, aflorando a insatisfação latente no inconsciente popular. Essa “insatisfação” é o nome da peça, na qual protagonistas e antagonistas encenavam momentos de festa e de guerra. Através de vozes convictas e claras, os atores expressavam o quanto desprezam as formas tradicionais de representação.

Mas, ao protestar contra a péssima qualidade dos transportes de massa, as pessoas apontavam que os 20 centavos eram apenas a cabeça de um imenso iceberg. Era preciso mostrar que o país acordou. Era preciso dar um basta ao sucateamento dos serviços públicos, aos gastos excessivos com a Copa das Confederações e a corrupção que afronta a sociedade.  O grito irado  não era teatral, era de suor do trabalho e do sangue dos injustiçados socialmente. Era também um grito de um povo cansado de crer e de esperar pelo o que nunca lhe é retribuído.

Depois do dia 13 de junho, após violenta repressão policial, consequentemente, as manifestações se ampliaram, tornando o outono cívico e histórico.  Calcula-se que 1,3 milhões de pessoas saíram de casa naquela quinta feira para exercer a cidadania. Convocadas pelas mídias sociais, as bandeiras levantadas foram essencialmente políticas: a descrença nas instituições democráticas.

Para o sociólogo e professor da UFMG, Juarez Dayrell, o movimento dos indignados representa não só a reconquista da cidade pelos jovens, mas, acima de tudo, representa um grande desafio para as escolas, exigindo dos professores redobrada atenção para lidar com as especificidades dessa geração. Segundo ele, não há sala de aula que supere essa experiência de cidade. Para isso, a escola terá que investir nesse aluno, reconhecendo o jovem que está ali como estudante de um tempo novo. Jovens marcadores do seu tempo, que une paixão, ação e história.

Assim, o clamor das ruas surtiu efeito rápido. Transparência e redução de preços no transporte público e outras demandas da sociedade nas áreas da saúde, educação, responsabilidade fiscal, dentre outras, tiveram pactos para votações rápidas. Além do plebiscito para uma reforma política. Mas, além de tudo isso, é bom demais acreditar que a exclusão dos pobres, negros e homossexuais está com os dias contados.

Tempo para reflexão

Passada a ressaca das primeiras manifestações, cabe acompanhar com atenção o desdobramento desse acontecimento inédito no Brasil. Acontecimento que pôs em cena, os jovens em direção às ruas e à política, não cabendo, no momento, explicar o “novo” com olhos do passado. A dramaturgia é outra, os atores também. As manifestações que tomaram às ruas do país se tornaram desafios à segurança pública e aos familiares desses jovens que representaram um filme ainda não visto.

O que, então, de imediato, cabe falar? Cabe falar do tempo político reinventado. Tempo reinventado nos sustos, riscos, ameaças, mas também na beleza. Tempo de símbolos fictícios e reais que se misturam pelas frestas da democracia.

Tempo da catarse advinda das vozes e do canto dos jovens, que fizeram do corpo a pedra metaforizada para atingir as estruturas da representatividade e, por isso, acreditaram na revolta como um direito legítimo da democracia.

Tempo de marginalidade, que exclui e realça o jovem sem perspectiva. Ele que olha o outro bem nascido, com fúria e desejo de extermínio. É a explosão violenta advinda de uma infância de dor, sofrimento e exclusão, que veem no protesto agressivo, a revanche ao seu desamparo, a sua invisibilidade, ao seu antagonismo.

Tempo de duvidar de tudo, duvidar da imagem, do discurso, da informação, da arrogância, da farsa, do monopólio e, então, ler o que está nas entrelinhas: o golpe, a opressão, a manipulação...

Tempo de cidadania, do caminhar, cantar, exigir e protestar, abrindo clareiras pacíficas, dinamizando as relações sociais e acreditando que, sem contradição, não há democracia. Cidadania que resgata a autoestima e faz os protagonistas, buscarem, quem sabe, uma travessia, além das ruas, das praças avenidas, viadutos, das montanhas, dos mares...

Enfim, tempo da reflexão, de ver as manifestações, como uma leitura além do olhar, pois o que aconteceu resultou num campo "energético", difuso como hidra, gigantesco, caótico, parecido com a própria internet.

Mas, ainda assim, vale lembrar os versos de Caetano Veloso, quando vislumbramos um país melhor:

"Mil sonhos serão urdidos na cidade
Na escuridão, no vazio há amizade.
A velha amizade
Esboça um país mais real. Um país mais que divino. Masculino, feminino e plural".

 

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"Libertar a mulher é recusá-la encerrá-la
nas relações que mantém com o homem, mas
não as negar; ainda que ela se volte para si,
não deixará de existir também para ele;
reconhecendo-se mutuamente como sujeitos, cada um permanecerá um para outro."
( Simone de Beauvoir)

8 de março, “Dia Internacional da Mulher” são lembradas as conquistas definitivas e as lutas históricas vividas pelas mulheres por um mundo mais igual, e os mais de 30 anos de existência do movimento feminista, que mudou a participação delas no seio da sociedade, mostrando que as mulheres colocaram o pé numa estrada sem volta. Todas as conquistas, somadas à modernidade, mostram que a mulher tem um dom de viver, sem contudo, romper com o vínculo casa e família. Buscando também salário e identidade no mercado de trabalho, não perdeu a essência feminina: ser mulher e mãe.

No Brasil, além das comemorações, o dia promove reflexões sobre os avanços que ainda estão por vir e, que requer políticas públicas de atendimento à mulher, com investimentos em programas sociais, que venham melhorar a condição de vida de milhares, resgatando-lhes a cidadania e dando oportunidade a todas de terem os seus direitos respeitados, porque as conquistas profissionais e sociais ainda não as afastaram da discriminação no trabalho e dos mais variados tipos de violência.

Na década de 1970, as brasileiras saíram de casa para conquistar o mercado de trabalho. Com cautela foram cercando o epicentro da política, dos tribunais, das redações de jornais, as universidades, a presidência das grandes empresas e das fábricas. Muitas também administram com sucesso o seu próprio negócio, o que gerou uma nova estrutura nas relações sociais e profissionais.

Hoje, elas representam 44,9% da população economicamente ativa do país, isso, significa que as mulheres constituem 34,6% da força de trabalho, registrada como pessoa física, avançando em territórios que antes eram de exclusividade masculina. Mas, ainda assim, a discriminação no trabalho acontece. Mesmo desempenhando com competência o mesmo trabalho que o homem, a mulher tem salários menores, equivalentes, em média, 63% dos salários masculinos; muitas não encontram condições adequadas para desempenhar com dignidade a sua função, mas por medo, por necessidade, se sujeitam a trabalhar em situação precária. Os assédios sexual e moral ainda permeiam o cotidiano de muitas mulheres, colocando-as em situação de humilhação e de isolamento. Esses tipos de violência devem ser denunciados para que os agressores sejam desmascarados e punidos.

E a violência acontece em todas as camadas da sociedade. Todos os dias mulheres pobres, ricas, cultas e analfabetas sofrem variados tipos de violência, no lar, no trabalho, na rua. E os agressores tanto podem ser o pai, namorado, marido,chefe e assaltante. Lembrando o que disse um dos mais competentes promotores de Minas Gerais e do Brasil, Francisco de Assis Santiago, “ a mulher ainda não conseguiu se livrar do homem violento.” De fato, muitas não têm coragem de denunciar os seus algozes, preferem fugir a entregá-los à justiça, tamanho medo e fragilidade. Mas, vale lembrar que a Lei Maria da Penha está aí para defender a mulher e punir o seu agressor, e, se Lei existe, é porque Maria da Penha Maia Fernandes foi à luta e denunciou o seu marido, depois de muitas agressões e tentativas de homicídio que a deixou paraplégica.

Quanto à saúde, um estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde – OMS – mostra que o acúmulo de exploração no trabalho, aliado a pressão econômica e familiar; problemas com filhos e companheiro indiferente, preguiçoso ou violento, levam a mulher a trombar de frente com a saúde mental. Duas mulheres para cada homem sofrem de depressão, ansiedade e stress, decorrentes do seu papel social e de seu status socioeconômico desigual. Vale dizer que, com todo avanço na biomedicina, muitas mulheres não têm amparo médico. Não fazem o preventivo de câncer de colo do útero e de mamografia. Ainda que a Constituição do Brasil, de 1988, determine em seu artigo5º, que homens e mulheres têm direitos iguais. O certo, porém, é que a consciência cívica das mulheres mudou muito mais do que a lei.
Em relação à afetividade, segundo a socióloga, Regina Navarro Lins, muitas mulheres ainda acreditam em príncipe encantado, porém um príncipe repaginado. Segundo ela, mulheres entre 15 e 60 anos, querem um companheiro que a apoie e incentive seus projetos pessoais, não mais o antigo provedor.

O certo é que o mundo mudou muito em 50 anos, e, principalmente, para as mulheres. Elas são maioria nas universidades, nos cursos de pós-graduação e compete com os homens no mercado de trabalho. No Brasil, uma mulher chegou à Presidência da República, pela primeira vez, o que é motivo de orgulho. E, milhares de mulheres em todo planeta, diariamente, batalham para dar voz aos seus desejos, transformando papéis e mudando comportamentos. Por isso, é justo reverenciar neste dia, mulheres emblemáticas como Mayana Zatz, Indira Gandhi, Camille Paglia, Janis Joplin, Oprah Winfrey, Madre Tereza, Virgínia Woolf, Nellie Bly, Pagu, Zilda Arns, Clarice Lispector, Elis Regina, Marina Silva, Glória Maria, Nize da Silveira, Leila Diniz...

Assim, a história tem muito a nos ensinar. Muitas vezes, em momentos cheios de aspereza é possível ter um quinhão de felicidade, pois com todos os avanços e no meio de tantos conflitos e contradições, os fatos estão aí para serem discutidos, avaliados e vivenciados por mulheres e homens, que podem e devem construir um nova história, em que o maior desafio é o democrático, que porá fim a exclusões, às desigualdade e as discriminações sociais contra a mulher.

Que todos os dias, a luta contra a situação de violência, exclusão e desigualdade às mulheres continue... e que o diálogo seja o instrumento a ser utilizado e acolhido como um bem da humanidade, porque a mulher é a grande força do Século XXI, isso, porque ela acreditou na dinâmica que permitiu mudar a ordem das coisas, e não fugiu à luta. Nesta tarefa a mulher foi iluminada, o que a coloca em constante encantamento para vivenciar e preservar o mundo feminino, buscando unir competência, emoção e prazer. Além disso, a mulher é capaz de criar um espaço afetivo no trabalho, na política e na vida em si, acredita na utopia e, por isso, abre o sentimento e o pensamento para um mundo novo.

Acredito, as regras estão mudas não para esmagar o homem, mas para construção de uma sociedade mais justa e igualitária e, sobretudo, mais sensíveis aos anseios humanos, independente do sexo e, em prol do bem comum.

 

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