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Outono Cívico

"Nem foi tempo perdido. Somos tão jovens" (R R)

O outono se apresentava mais quente que o esperado e, no mês de junho, o que se vislumbrava era a Copa das Confederações. Como o Brasil é o país do futebol, o cenário que se desenhava era dentro das arenas fabulosas, construídas para receber os gringos endinheirados e torcedores brasileiros, satisfeitos, cantantes, vestidos de verde e amarelo.

A peça imaginada seria a do povo indo às ruas para comemorar a vitória da seleção canarinho e a Copa das Confederações se transformaria numa grande festa. Deu errado. O Brasil virou o palco da indignação, colocando em cena jovens atropelando partidos políticos, cientistas sociais, ideologias, intelectuais e também a imprensa. Todos pegos de surpresa, vindos a reboque das mídias sociais.

O Brasil se transformou em uma gigantesca onda de protestos que sacudiu os grandes centros urbanos e que  se interiorizou rapidamente. Protestos produzidos e organizados por jovens, que reconquistaram a rua como espaço de  expressão e de  explosão da cidadania. Cartazes como "Vem pra rua", "Saímos do face" e "Basta de corrupção", sinalizavam que os jovens encenavam uma peça singular e fora da web,  e que, pacificamente, convocavam a população para protestar com eles. Todos numa só voz, buscando  um Brasil melhor: mais justo e solidário.

Em atos sequenciais, o palco simbolizado nas praças, avenidas, ruas e viadutos das grandes e pequenas cidades brasileiras, virou palco da indignação, aflorando a insatisfação latente no inconsciente popular. Essa “insatisfação” é o nome da peça, na qual protagonistas e antagonistas encenavam momentos de festa e de guerra. Através de vozes convictas e claras, os atores expressavam o quanto desprezam as formas tradicionais de representação.

Mas, ao protestar contra a péssima qualidade dos transportes de massa, as pessoas apontavam que os 20 centavos eram apenas a cabeça de um imenso iceberg. Era preciso mostrar que o país acordou. Era preciso dar um basta ao sucateamento dos serviços públicos, aos gastos excessivos com a Copa das Confederações e a corrupção que afronta a sociedade.  O grito irado  não era teatral, era de suor do trabalho e do sangue dos injustiçados socialmente. Era também um grito de um povo cansado de crer e de esperar pelo o que nunca lhe é retribuído.

Depois do dia 13 de junho, após violenta repressão policial, consequentemente, as manifestações se ampliaram, tornando o outono cívico e histórico.  Calcula-se que 1,3 milhões de pessoas saíram de casa naquela quinta feira para exercer a cidadania. Convocadas pelas mídias sociais, as bandeiras levantadas foram essencialmente políticas: a descrença nas instituições democráticas.

Para o sociólogo e professor da UFMG, Juarez Dayrell, o movimento dos indignados representa não só a reconquista da cidade pelos jovens, mas, acima de tudo, representa um grande desafio para as escolas, exigindo dos professores redobrada atenção para lidar com as especificidades dessa geração. Segundo ele, não há sala de aula que supere essa experiência de cidade. Para isso, a escola terá que investir nesse aluno, reconhecendo o jovem que está ali como estudante de um tempo novo. Jovens marcadores do seu tempo, que une paixão, ação e história.

Assim, o clamor das ruas surtiu efeito rápido. Transparência e redução de preços no transporte público e outras demandas da sociedade nas áreas da saúde, educação, responsabilidade fiscal, dentre outras, tiveram pactos para votações rápidas. Além do plebiscito para uma reforma política. Mas, além de tudo isso, é bom demais acreditar que a exclusão dos pobres, negros e homossexuais está com os dias contados.

Tempo para reflexão

Passada a ressaca das primeiras manifestações, cabe acompanhar com atenção o desdobramento desse acontecimento inédito no Brasil. Acontecimento que pôs em cena, os jovens em direção às ruas e à política, não cabendo, no momento, explicar o “novo” com olhos do passado. A dramaturgia é outra, os atores também. As manifestações que tomaram às ruas do país se tornaram desafios à segurança pública e aos familiares desses jovens que representaram um filme ainda não visto.

O que, então, de imediato, cabe falar? Cabe falar do tempo político reinventado. Tempo reinventado nos sustos, riscos, ameaças, mas também na beleza. Tempo de símbolos fictícios e reais que se misturam pelas frestas da democracia.

Tempo da catarse advinda das vozes e do canto dos jovens, que fizeram do corpo a pedra metaforizada para atingir as estruturas da representatividade e, por isso, acreditaram na revolta como um direito legítimo da democracia.

Tempo de marginalidade, que exclui e realça o jovem sem perspectiva. Ele que olha o outro bem nascido, com fúria e desejo de extermínio. É a explosão violenta advinda de uma infância de dor, sofrimento e exclusão, que veem no protesto agressivo, a revanche ao seu desamparo, a sua invisibilidade, ao seu antagonismo.

Tempo de duvidar de tudo, duvidar da imagem, do discurso, da informação, da arrogância, da farsa, do monopólio e, então, ler o que está nas entrelinhas: o golpe, a opressão, a manipulação...

Tempo de cidadania, do caminhar, cantar, exigir e protestar, abrindo clareiras pacíficas, dinamizando as relações sociais e acreditando que, sem contradição, não há democracia. Cidadania que resgata a autoestima e faz os protagonistas, buscarem, quem sabe, uma travessia, além das ruas, das praças avenidas, viadutos, das montanhas, dos mares...

Enfim, tempo da reflexão, de ver as manifestações, como uma leitura além do olhar, pois o que aconteceu resultou num campo "energético", difuso como hidra, gigantesco, caótico, parecido com a própria internet.

Mas, ainda assim, vale lembrar os versos de Caetano Veloso, quando vislumbramos um país melhor:

"Mil sonhos serão urdidos na cidade
Na escuridão, no vazio há amizade.
A velha amizade
Esboça um país mais real. Um país mais que divino. Masculino, feminino e plural".

 

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