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"Vamos à escola, toda hora é hora. Vamos à escola, lá se aprende a viver" (Escolinha do Prof. Raimundo)

"As melhores coisas se aprendem na escola, mas não na sala de aula" (Capital Inicial)

Devido à crise gerada pela pandemia do novo Coronavírus, os governos estaduais, municipais e a rede privada de ensino assertivamente adotaram o cancelamento das aulas presenciais. Também de forma positiva, em caráter emergencial, tais redes começam a pensar em possibilidades para minimizar as perdas que certamente afetará o processo de aprendizagem dos estudantes com o cancelamento das aulas. Também devido a essa excepcionalidade, o Ministério da Educação lançou uma resolução que suspende a exigência legal de duzentos dias letivos, abrindo, assim, a possibilidade para que atividades realizadas de forma remota sejam contabilizadas como aulas em nossas escolas. Tal cenário nos leva a seguinte questão: em que medida o ensino a distância pode substituir as aulas presenciais sem prejudicar a aprendizagem dos alunos? 

Não é de hoje que a possibilidade da implementação do ensino a distância ronda a educação básica no Brasil. Estas propostas vão desde referências a adoção por parte de famílias nos Estados Unidos e outras partes do mundo do modelo de homeschooling - onde as crianças estudam em casa sob a supervisão de seus familiares com apoio de consultorias educacionais – até projetos de empresas de tecnologia que se colocam como solução para os problemas do setor educacional, que a tempos enfrenta graves problemas. A quase universalização do ensino básico no Brasil, não foi acompanhada pela qualidade do serviço prestado, fato evidenciado pelos pífios resultados apresentados pelas escolas públicas e também das escolas privadas em avaliações externas como PISA, que avalia e compara o grau de proficiência de estudantes em varias partes do Mundo.

Não é propósito desse artigo dar conta das possíveis soluções para os problemas da educação no Brasil, mas podemos apontar que essas partem necessariamente de maiores investimentos na educação e não de atalhos que apenas buscam reduzir custos e favorecer grupos de empresários do ramo da educação que sempre prometem o milagre de fazer melhor com menos. Isso não é apenas uma suposição, pois as escolas brasileiras melhor colocadas nas avaliações externas nacionais e internacionais, ao contrário do que o discurso anti-escola pública nos faz pensar, são instituições públicas como os CEFET, Institutos Federais e Colégios Militares de aplicação. Esses resultados não são justificados pelos simples fato de que essas instituições sejam federais ou geridas sob rigor da gestão militar, mas sim por dispor de mais recursos para investir em infraestrutura e pagar melhores salários aos seus professores que trabalham em regime de exclusividade, ou seja, esses profissionais não precisam trabalhar em duas ou três escolas. Estas instituições ainda investem de forma pesada na formação continuada de seus profissionais tendo em seus quadros vários mestres e doutores. O investimento médio por aluno nessas instituições (CEFET, Institutos Federais e Colégios Militares de aplicação) chega a ser quatro vezes maior do que o investido nas Escolas de Ensino Médio por estudantes da Rede Estadual de Ensino.

Como professor da rede estadual, sempre fico impressionado com o fato de que mesmo trabalhando com o básico do básico, conseguimos conquistar alguns bons resultados. Um exemplo que evidencia o pouco investimento nessas redes municipais e estaduais, é que a tecnologia, tão festejada pelo seu poder transformador no campo da educação, chegou nas mãos dos alunos das escolas públicas, assim é comum ver em nossas escolas estudantes com smatphones de última geração, mas essa tecnologia não está presente na sala de aula, onde ao invés de um projetor ou lousa digital, em muitas escolas ainda disponibilizam apenas quadro e giz, realidade que justifica a já célebre conclusão de que “temos escolas com infraestrutura do século XIX , com professores formados aos moldes do século XX e alunos do século XXI”.

Voltando a questão do ensino a distância, a apreensão de especialistas é que essa nova legislação feita de forma emergencial abra o caminho para que a educação básica passe a sofrer do mesmo mal que o ensino superior vem sofrendo nos últimos anos, com a precarização do ensino devido a uma desregulamentação que permitiu a proliferação de cursos a distância que apenas servem para certificar seus alunos com diplomas que na prática não qualificam de fato. Como já afirmei acima, acredito que aproximação do campo da educação com as novas tecnologias é imprescindível para melhoria da qualidade do ensino, mas nunca como substituto do convívio com professores e colegas na escola.

O processo educativo e de produção do saber, que é totalmente diferente do simples acesso a informação, passa necessariamente por interações humanas significativas, trocas de experiências, muitos erros e reflexões sobre esses erros. Essas interações percorrem caminhos que nem sempre podem ser mensurados por nossos currículos, muito menos por aulas gravadas e uma série de material descontextualizados que pouco dialogam com a realidade da comunidade em que vivem nossos estudantes. O que nos leva a concluir que qualquer tentativa de trocar a potência do aprender junto com o outro pela experiência virtual, é algo limitante. A conjuntura imposta pelo isolamento social, que em alguma medida poderá levar a adoção de experiências de ensino a distância na educação básica apontará, na prática, justamente para essa conclusão.

Os prejuízos que esses estudantes terão frente a privação do convívio com seus pares e a impossibilidade de uma interação direta com os seus professores, ou até mesmo, da sua própria presença física em um espaço de educação diferente de seu ambiente doméstico, nos fará perceber o que já é um consenso entre os pedagogos, sociólogos, psicólogos entre outros profissionais que trabalham diretamente com área da educação; somos seres sociais e nos humanizamos com a convivência direta e espontânea com o outro, condição esta que o ensino a distância não pode suprir.

Posso exemplificar tudo isso que disse acima com uma experiência pessoal. O lema da Universidade Federal de Minas Gerais onde estudei é a frase em latim “Incipt vita nova”, quando ingressei na instituição fiquei intrigado com o que aquela frase queria dizer e busquei o seu significado, que em uma tradução livre seria algo como o “início de uma vida nova”, mas naquele momento não tive a capacidade de entender a profundidade dessa frase, contudo agora, depois de vários anos de formado, entendo todo o sentido desse lema. A convivência naquele espaço promoveu profundas mudanças na identidade daquele jovem de Ribeirão das Neves, oriundo de classe popular, que trazia inúmeros auto preconceitos introjetados em sua identidade e que acreditou na possibilidade de ingressar nesse espaço apenas por incentivos de professores e colegas da escola pública. A experiência de conviver com pessoas de classe sociais e até países diferentes, diversidade de identidade de gênero, todas as conversas com os colegas nos corredores, as viagens para participar de seminários, os estágios, contato próximo com professores renomados e mais uma infinidade de eventos que não consigo enumerar e nem mensurar, tiveram tamanha importância, talvez até mesmo maior, do que os conhecimentos acadêmicos que adquiri durante a realização do curso.

A pergunta que me faço é: se eu tivesse feito um curso a distância, por maior que fosse a sua excelência, esse teria o mesmo impacto em minha formação? A resposta é obviamente negativa e para quem avalia que tudo que foi listado acima não seria importante, por que o que vale mesmo é o ingresso no mercado de trabalho, a teoria sociológica pode te dar uma boa resposta. Para além do capital intelectual, ligado a aquisição de conhecimento, o ensino presencial pode revestir os estudantes de outros capitais como o capital social, também chamado pelo mercado de ‘network’, e que durante o curso e após a sua conclusão pode decidir o futuro da carreira de um profissional. Pessoalmente até hoje, depois de dez anos de conclusão de curso, recebo propostas de trabalho via indicação de colegas de curso e professores dos tempos da minha graduação e fiz mestrado e estou cursando o doutorado sempre utilizando as redes de relacionamentos que criei durante a minha graduação.

Se a necessidade do contato com seus pares dentro de uma instituição de ensino formal se mostra tão importante para um jovem adulto de 20 anos, imagine quais seriam os impactos de privar esse contato na infância e na adolescência, período em que sua personalidade está sendo formada. Portanto, a exemplo do que evidenciou essa crise provocada pelo novo Coronavírus sobre a importância de investirmos em um sistema de saúde pública que proteja a nossa sociedade, também devemos defender e fortalecer o princípio de uma escola pública e de qualidade, frente os assédios de grupos empresariais que, como urubus a espreita, vão tentar aprofundar suas investidas contra os - já limitados - recursos destinados as escolas públicas, nesse período de tanta dificuldade.

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Há muito tenho estudado, junto a alguns grupos em Ribeirão das Neves, a questão da relação dos moradores com a cidade. Nosso intuito é dar visibilidade a representações positivas da cidade, que fujam dos estereótipos pelos quais a grande mídia nos apresenta, mas sem esconder e enfrentar os reais problemas por nós vivenciados no Município. Em nossas discussões concluímos que aumentar o sentido de pertencimento de nossa população frente o local onde mora se mostra como algo fundamental para que tenhamos uma cidade melhor, pois é impossível fazer frente as dificuldades apresentadas por Ribeirão das Neves sem ter uma população formada por pessoas que se sintam pertencentes e que queiram transformar essa localidade em um lugar melhor.

Nesse processo reflexivo crescemos muito em nossa compreensão e nos libertamos de complexos que roubavam a nossa essência e não permitia que nos enxergássemos como singulares, fortes, resistentes, talentosos, honestos, humanos entre outras inúmeras qualidades que tive o privilégio de perceber nesses 35 anos de convivência com as pessoas dessa cidade. Gosto de brincar que Neves é o Brasil em miniatura, pois o processo de negação da identidade frente á cidade por parte de seus moradores, também é observado, em uma escala maior, em parte significativa do povo brasileiro. Devido nosso processo de colonização, que teve início com os portugueses e não se engane continua até hoje, o qual utiliza como principal arma a desconstrução da estima de nosso povo e tem como seus maiores beneficiados uma microelite econômica local - aqueles 1% que concentra mais da metade das riquezas do Brasil - aliada a interesses internacionais. Esse processo de colonização nos transformou em o que o escritor Nelson Rodrigues chamou de portadores de uma síndrome de vira-lata. Assim, por nos acharmos naturalmente inferiores, atrasados, menos inteligentes, indecentes e menos honestos que os demais povos do mundo, detalhe na maioria dos casos sem nunca ter visitado outro país, aceitamos viver em uma realidade que nos culpa pelas próprias mazelas as quais somos submetidos, pois a partir dessa visão merecemos pagar uma das maiores taxas de juros do mundo e bancarmos um sistema tributário onde pobres pagam mais impostos que os ricos – inclusive os pobres coitados integrantes da classe média que se acham ricos - e ao mesmo tempo não termos uma educação pública gratuita e de qualidade, um sistema de saúde que funcione, um transporte público descente, um trabalho digno entre outros direitos mínimos que garantem a dignidade humana. O fato mais revoltante, tudo isso ocorre dentro de um país riquíssimo, pois pra quem não sabe somos a 8° maior economia do mundo.     

Voltando à identidade nevense, um movimento que chama a atenção e permite que eu apresente as conclusões tecidas acimas é o fato de que por inúmeras vezes em eventos sociais fora da cidade ao encontrar amigos de infância, familiares e pessoas conhecidas nascidas e criadas em Neves, inclusive entendidas como “bem sucedidas acadêmica e economicamente”, quando toco em questões ligadas as nossas vivências na cidade, esses desconversam com medo de serem reconhecidos por pessoas de seu atual convívio como moradores e ex-moradores de Ribeirão das Neves, assim aceitando e confirmando estereótipos que injustamente nos são atribuídos.

Como descrevi acima, entendo o processo de assujeitamento e desconstrução da autoestima a que foram submetidas essas pessoas e as levaram a sentir vergonha de quem realmente são, mas gosto de dizer a elas, em uma tentativa de dar um sacolejo em sua autopercepção, que aprendi a não trair raízes com os grandes. O primeiro desses grandes é nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade, sua poesia rodou o mundo e lhe deu todos os prêmios possíveis. Drummond viveu por vários anos no Rio de Janeiro, mais devido a sua grandeza do que por sua própria escolha, pois quando nos debruçamos sobre o tema mais recorrente de sua escrita encontramos Itabira, cidade mineira não tão central, mas que teve o gigantismo de seu povo e paisagem utilizada como matéria prima para obra de nosso poeta.  Drummond era Itabira e Itabira era ele, o quintal da casa simples que viveu durante sua infância de menino do interior era metáfora para falar do mundo e sensibilizar até os corações mais duros. Outro grande da literatura Brasileira, o também mineiro João Guimarães Rosa é mais um exemplo médico, embaixador do Brasil na Alemanha, falante de vários idiomas e dono de uma inventividade literária que conquistou fãs em todo o planeta escolheu como tema de sua obra as histórias vividas pelas pessoas simples de sua terra natal, Cordisburgo. Para ele o Sertão era o Mundo e Mundo era o Sertão, em sua obra descreveu a grandeza, a inteligência, a sagacidade e a sensibilidade dos sertanejos, os quais eram classificados pela sociedade Brasileira entendida como “culta” como capiais, D’a roça, ingênuo, “sem cultura”, entre outras expressões preconceituosas. A grande ironia de sua obra é mostrar aos desavisados sobre o que é de fato cultura – inclusive os pseudo-intelectuais de plantão que reverenciam sua obra sem entender nada. Rosa nos mostra que na verdade são justamente eles o real  problema do Brasil, pois suas baixa estima, colonizadas e subservientes  até o osso, lhe fazem acreditar que só por viverem em um grande centro, terem acesso a teatro, cinema e a uma educação formal são mais “cultos” que as outras pessoas as quais classificam caridosamente como “humildes” – eufemismo para ignorantes.

No campo da música os exemplos são infinitos. O primeiros é Tom Zé, o homem de Irará, cidade como outras muitas do interior da Bahia, comum, pacata até hoje lar de poucos milhares de habitantes, a qual, se não fosse por seu mais celebre habitante, que a fez tema principal de sua obra descrevendo em suas músicas seus personagens, lugares e curiosidade , talvez não seria por nós conhecida. A tropicália, movimento de ruptura da música brasileira que Tom Zé ajudou a construir, pode ser entendida em parte como movimento do artista mostrando Irará para o mundo.

Para aproximar do universo da periferia temos outros dois nomes que merecem citação. O primeiro Mano Brown, intelectual orgânico, nascido e criado na favela, transformou a exclusão do jovem, negro, abandonado pelo pai e assediado pelo mundo do crime em arte. Descreveu a realidade da periferia paulista como poucos e falando da gente de sua quebrada ajudou a criar um dos braços mais autênticos da Música Popular Brasileira. Por fim, orgulhosamente podemos citar a pequena gigante Tamara Franklin, mulher, preta e nevense. Essa artista tem como matéria prima para o seu trabalho a crítica a todo o peso que tenta nos diminuir e ser menos. Sua obra fala do que nos singulariza como povo e que os outros tentam transformar em estereótipo.  Quando escutei o disco da Tamara, tive a feliz constatação; “essa foi salva do veneno do preconceito de raça , de gênero , de classe e de origem”, ainda mais tenho fé que o seu som pode servir de antídoto para o processo de desconstrução da estima da juventude nevense. Em suas letras, Tamara, assim como Drummond e Guimarães Rosa, mostra que valorizar as raízes é caminho para nos tornarmos grandes, pois nossas vivências na cidade, boas ou ruins, nos faz ser quem somos, ainda mais mostra que tudo que fazemos reflete nossas origens e não reconhecer isso nos faz ser uma imitação, uma fralde e esse alto engano nos apequena, destroem nossa estima e nos torna menos do que poderíamos ser.  

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Afinal de contas, do que estamos falando?

O tema identidade de gênero foi um dos assuntos mais discutidos no ano que se passou. Figuras políticas em busca da adesão de seguimentos mais conservadores da sociedade civil no combate ao que chamaram de “ideologia de gênero” viram aí uma forma de ampliar seu capital político e assim conquistar votos desses seguimentos. O exemplo mais explícito é o deputado Jair Bolsonaro, que tem como sua maior façanha política, em mais de vinte anos de vida pública, o combate ao material formulado pelo Ministério da Educação no ano de 2011 intitulado "Escola Sem Homofobia". Esse material foi chamado pejorativamente pelo deputado e seus aliados de “kit gay”. Contudo, o material tratava de um tema bastante delicado em nossa sociedade, que é a violência física e simbólica sofrida por pessoas que destoam do que chamamos de heteronormatividade e basicamente orientava nossos professores a ensinar seus alunos e alunas a respeitarem as pessoas independente de sua orientação sexual e buscava combater a barbárie ainda comum em nossa sociedade de um individuo, que por não concordar com a orientação sexual do outro, se acha no direito de agredi-lo (física e simbolicamente) e até mesmo matá-lo.

Assim um grande campo de disputa política foi aberto e muitos deputados, vereadores, prefeitos e aspirantes a esses cargos de uma forma extremamente populista, se colocaram obstinadamente a buscar o seu próprio “kit gay” com o intuito de ganhar prestígio frente seu eleitorado e garantir o seu mandato por mais quatro anos. Assim teatros, mídia (TV, rádio, cinema, redes sociais), exposições artísticas e escolas passaram a sofrer constante vigilância desses grupos - o que não seria problema se, de fato, esses estivessem comprometidos com uma sociedade mais justa, com a formação cidadã, não sexista e humana de nossos jovens, com o fim da violência contra a mulher que no Brasil é um escândalo, ou com o combate ao etos machista e violento incorporado por nossos jovens desde sua infância. No entanto, todo o trabalho desse grupo foi combater o que eles chamaram de “Ideologia de Gênero” que segundo a sua leitura rasa sobre o tema afirmam que alguns grupos de intelectuais coligados com o movimento LGBT quer ensinar as nossas criancinhas que mesmo nascendo do sexo masculino eles podem escolher ser mulher, como se isso fosse possível. Tal discurso gerou na sociedade brasileira tamanha comoção que grupos importantes como pastores, padres, pais e demais pessoas que realmente se importam com o futuro de nossos jovens e crianças passaram a ser utilizadas como massa de manobra desses grupos.

Mas afinal de contas o que é gênero e por que é tão importante debatermos esse tema? Ao contrário do que dizem esses “doutos” deputados, a expressão gênero social possui um respaldo científico e nasce dentro dos estudos antropológicos como um contraponto a expressão sexo biológico, que trata das caraterísticas anatômicas que distinguem macho e fêmea entre as diferentes espécies animais. Segundo estes estudos os seres humanos ao longo do tempo e espaço atribuíram papéis sociais distintos a homens e mulheres, assim a categoria homem e mulher, diferente do sexo biológico (macho e fêmea), são construções sociais que mudam com o passar do tempo e estão ligados ao contexto cultural em que os indivíduos estão inseridos. Um exemplo que podemos pensar é que o papel da mulher dentro da sociedade inglesa é bem diferente do papel exercido pelas mulheres em um país como o Afeganistão, pois mesmo que ainda possuam a mesma biologia (características anatômicas) essas mulheres vivenciam em suas respectivas sociedades, existências radicalmente distintas – sendo que a segunda aqui em questão por costume de sua sociedade não pode frequentar a escola , não pode dirigir automóveis e para ser considerada uma mulher honesta deve usar uma burca - vestimenta preta que deixa a vista apenas os olhos de quem as veste.

A questão de gênero também se dedicou ao longo das últimas décadas a pesquisar a condição de pessoas que possuem uma identidade de gênero que não coincide com a sua biologia, ou seja, pessoas que mesmo tendo uma anatomia que lhe vincula a um sexo biológico (macho ou fêmea) se identificam, desde sua primeira infância, com os papéis sociais atribuídos ao sexo oposto – os transexuais. Cabe lembrar que a existência de indivíduos que apresentam essa condição não é produto da modernidade e nem estimulado pelos estudos sobre gênero. Há relatos de indivíduos que experimentam essa condição nos mais variados períodos da história e nas mais diversas culturas inclusive em culturas não ocidentais, como grupos de povos indígenas, chineses, indianos e árabes, sendo que cada cultura lida com esses indivíduos de formas distintas.

O meu interesse como pesquisador sobre o tema, especificamente pela violência sofrida por minorias sexuais, foi ampliado nos últimos anos, pois ao pesquisar a violência sofrida por estudantes em ambiente escolar, tive contato com a dura realidade de crianças e jovens que por não se enquadrarem em um padrão de comportamento entendido como “normal” do que é ser homem ou ser mulher eram violentados - de forma física e simbólica - cotidianamente por seus colegas. O mais grave que conseguimos constatar em nossas pesquisas preliminares é que essas violências eram negligenciadas e até mesmo estimuladas por professores, direção e família, quando esses não eram os próprios autores das agressões. A presença dessas violências no ambiente escolar me fez entender a importância de introduzir na formação dos professores, diretores e estudantes conteúdos que os ajudem a lidar com a diversidade sexual de forma humana e consciente, entendendo que independente da orientação sexual do estudante esse merece ser respeitado.

Portanto, tendo em vista o tema abordado acima podemos verificar que a importância de debater a questão de gênero nas escolas, mídia, nas igrejas e nas famílias se mostra fundamental, para a construção de uma sociedade mais justa, onde alunos e alunas, esposos e esposas, trabalhadores e trabalhadoras heterossexuais ou não possam colaborar entre si e não continuar competir de forma infantil. É interessante ressaltar que este texto está sendo escrito por um homem hétero educado na sociedade brasileira, o que acho que ficou claro acima que pra mim não significa nenhuma vantagem. Na verdade em alguma medida representou por muito tempo um grande peso, não comparado ao fardo atribuído a mulheres, pessoas homoafetivas, transexuais, etc, mas se mostra um peso, pois nós homens héteros educados em uma sociedade machista e homofóbica descobrimos muito cedo como nossa masculinidade é frágil e o custo de mantê-la se configura em um constante policiamento do que eu visto, de como eu falo, de quem sou amigo, de quem eu abraço, de quem eu devo humilhar, em que momento tenho que ser violento, a quem posso devotar o meu amor não erótico, ou seja, ser homem hétero não se limita a questão de me relacionar com parceiras do sexo oposto, mas sim de um processo de desumanização com o propósito último de manter meus privilégios frente as mulheres e os não heterossexuais .

Mas, hoje alguns homens héteros, entre esses me incluo, passaram a refletir sobre o que perdemos em nossas vidas para manter o privilégio de "ser homem, macho do saco roxo, como diria meu pai”. Provavelmente perdemos uma relação mais afetuosa com quem amamos do sexo masculino (filhos, pai, avôs, amigos, colegas de trabalho etc), pois a etiqueta masculina nos orienta a nunca abraçar, beijar e nem mesmo elogiar outros homens sobre o risco de sermos considerados gays. Perdemos por vezes também o amor da mulher amada, por que talvez seja impossível para ela continuar amando um homem que lhe entende como inferior e tenta impor essa sua superioridade frente o “sexo oposto” a qualquer custo inclusive com agressões físicas. Para manter esses medievais privilégios do machão sobre o grupo, perdemos inclusive a vida, pois são inúmeros os estudos que associam os elevados números de assassinatos no Brasil com o etos masculino, ou seja, essa ideia de não levar desaforo pra casa estimula a nós homens a resolver até mesmo os mínimos conflitos com a violência física e o resultado são assassinatos banais no trânsito, nos bares, entre vizinhos e até mesmo estimula a entrada de garotos para a criminalidade, pois muitos desses jovens ao serem questionados por que entraram na vida do crime afirmam categoricamente “ para me tornar sujeito homem”. Assim a questão de gênero nos mostra que se queremos uma sociedade realmente justa devemos começar questionando os nossos próprios privilégios e entendendo como estes fazem mal a toda a sociedade, inclusive a nós homens héteros que virtualmente desfrutamos desses supostos privilégios.

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A sociedade brasileira vivencia atualmente o acirramento dos ânimos em uma improdutiva discussão de surdos entre “esquerda” e “direita” a qual tem como resultado a ampliação de discursos ultraconservadores que afeta instituições que até então gozavam de amplo prestigio frente à sociedade e se mostravam como ponta de lança em nossos processos de transformação social. Nesse conflito podemos verificar que a bola da vez é a Escola , como podemos constatar com o crescimento de um falacioso movimento intitulado “Escola Sem Partido” que na verdade pretende impor um sistema educacional que afaste os alunos de qualquer leitura crítica frente à sociedade em que vivemos, chamando arbitrariamente tudo o que os seus membros não concordam de “Doutrinação ideológica”.

Uma síntese desse discurso conservador é a divulgação em rede sociais da frase a qual afirma que “a família educa e a escola ensina”. Por mais bem intencionadas que sejam as pessoas que defendem esse posicionamento, o mesmo esbarra na própria definição sobre o que é de fato educação e como as pessoas se educam. Um primeiro elemento que não pode ser ignorado é que o processo de educação de um indivíduo apresenta uma infinidade de nuances que nem sempre são passíveis de serem controladas, sistematizadas e se dão tanto por ensinamentos intencionais assim como por exemplos práticos oferecidos por outros indivíduos com quem nos relacionamos. O processo educativo assim se dá no contato entre os indivíduos frente as mais diversas instituições sociais como família, igreja, grupos de amigos, mídia e obviamente a presença desses indivíduos na instituição escolar. Assim ignorar o papel da escola na construção dos valores morais e éticos das crianças e jovens que frequentam essa instituição é minimamente imprudente, pois mesmo que não queiram, os professores influenciam na formação e nos valores dos sujeitos alvos do processo educativo com quem relacionam-se na condição de alunos. O ato de não explicitar e nem refletir de forma independente sobre essa influência faz com que os professores a exerçam de forma inconsciente, como denuncia o sociólogo Francês Pierre Bourdieu, que apontou em seus estudos que a escola pode contribuir para a perpetuação das desigualdades caso não compreenda de fato os contextos familiares e sociais que estão inseridos os indivíduos os quais atendem. Em sua avaliação ao ignorar as especificidades dos sujeitos a quem atendem e ao submeter estes a um sistema extremamente meritocrático e pensado apenas para atender as especificidades da classe média a escola ao invés de contribuir para o fim das desigualdades contribui para sua perpetuação.

Outro equivoco do discurso o qual afirma que “Educação é obtida em casa e a Escola só ensina” é a sacralização das famílias as entendendo como perfeitas e que possuem valores acima de qualquer crítica. Nesse sentido podemos aproximar o conceito de educação ao conceito de socialização dos indivíduos, assim o contato do indivíduo a partir de sua mais tenra idade incute, de forma intencional ou não, valores que nem sempre são os mais nobres. Um bom exemplo é a perpetuação do racismo em nossa sociedade. Nós sociólogos podemos afirmar, com certo grau de certeza, que ninguém nasce racista, esse comportamento preconceituoso é adquirido via contato social com outros indivíduos que apresentam valores racistas e infelizmente, mesmo de forma não explícita, é transmitido para os sujeitos alvos do processo de socialização via as instituições sociais a qual ele tem contato como família, mídia, religião, estado e também escola. O mesmo ocorre com a cultura da violência, intolerância religiosa, machismo, homofobia e demais preconceitos que estão muito presentes em nosso cotidiano e que fazem a vida de milhares de pessoas serem menos dignas.

Assim, caso o grupo familiar, mesmo de forma inconsciente, promova esses valores em seus filhos, a escola se mostra como um excelente espaço para esses indivíduos problematizarem esses valores via uma perspectiva agora científica e analises das leis que pretendem abolir comportamentos preconceituosos em nossa sociedade , os quais mesmo havendo leis que busquem sua superação ainda perduram. Talvez esse seja o ponto de tensão entre os processos educativos realizados na escola e os valores dos grupos de familiares de nossos alunos, pois é comum os pais não se sentirem confortáveis, mesmo que visivelmente errados, quando os seus filhos os questionam sobre alguns de seus valores e esses costuma inclusive reagir de forma autoritária e avesso ao diálogo. Assim, analisando um caso extremo, não há de se surpreender que um pai machista que pratica violência doméstica não ache conveniente que na escola de seus filhos discutam questões ligadas a equidade de gênero e a Lei Maria da Penha, pois de fato a escola em alguma medida está “jogando os filhos contra o pai”.

Tendo em vista esse cenário, devemos entender que qualquer contato humano seja ele em casa, entre os amigos, via programas de TV, na internet e claro na escola possuem um caráter educativo, portanto em todos esses espaços, de forma consciente ou não, estamos nos educando e nem precisa acreditar nos especialistas é só observar o mundo a sua volta e perceberá o quanto essa colocação está correta tanto no viés positivo, onde os indivíduos são socialmente instruídos pelas famílias , mídia e escola para uma postura ética e em busca de uma sociedade mais justa e solidaria como infelizmente em seu viés negativo onde essas mesmas instituições influenciam esses sujeitos para o egoísmo, sexismo, consumismo e atitudes que possam ferir a dignidade alheia para conseguir algum proveito.

Portanto, podemos concluir que os sujeitos são frutos das experiências e reflexões sobre as experiências que acumularam durante a sua vida nos mais variados espaços. Excluir a escola desse leque de instituições que influenciam na educação do sujeito impede que os professores - assim como pais, publicitários e sociedade de forma geral - reflitam sobre o caráter educativo - e porque não deseducativo - de suas ações, mesmo que esse educador não ministre uma disciplina das ciências humanas as quais tratam de forma direta de temas como ética , valores e moral. Por fim cabem citar um provérbio africano para nos ajudar a lançar luz sobre essa questão: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.

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"Dá nada pra mim”, quantas vezes você já escutou essa expressão nos últimos anos? Provavelmente várias. Eu, por exemplo, na condição de professor da Rede Pública quase que diariamente escuto alunos reproduzindo essa já célebre expressão indiscriminadamente. Mas o que de fato está por trás dessa afirmativa? Quais são as consequências de acreditarmos e mais ainda estimularmos os jovens acreditarem nessa expressão

Podemos entender essa afirmação, quando reproduzida por um menor, principalmente quando esse pertence a um grupo familiar submetido a um quadro de vulnerabilidade social como a internalização do próprio jovem, negro (preto ou pardo), morador de periferia, oriundo de família de baixa renda envolvido ou não em atividades criminais de um discurso perigoso encabeçado por parte significativa da sociedade brasileira a qual ainda insiste em acreditar que a simples criação ou modificação de uma lei poderia resolver todos os problemas da criminalidade no país. Assim, parte sensível da população brasileira acredita que com o endurecimento das leis, a redução da maioridade penal e a criminalização da pobreza teremos um país mais seguro. Esses assim ignoram o fato de que os países que resolveram o problema da criminalidade, os quais apresentam índices sustentáveis de violência, não investiram em criação de leis mais rígidas, mas sim em políticas de inclusão social como educação de qualidade para todos, combate as desigualdades (econômicas, raciais, de gênero geracional), politicas voltadas para a juventude (nas áreas de lazer, esporte e cultura) e Inclusão no mercado formal de trabalho das populações em condição de vulnerabilidade.

Para respaldar esse argumento da ineficácia do endurecimento das leis como solução para a criminalidade podemos citar o estudo do Professor Luís Flávio Gomes intitulado "Beccaria (250 Anos) – e o Drama do Castigo Penal: Civilização ou Barbárie?" , onde o autor nos mostra que nas ultimas, décadas no Brasil, mais de setenta por cento das leis que discutiam a questão da criminalidade propunham alteração no código penal no sentido de endurecimento das Leis, mas essas alterações quando implementadas pouca efetividade tiveram sobre a redução da criminalidade no país, que por sinal viu nas ultimas décadas a explosão da criminalidade, com a estruturação do tráfico de drogas e do crime organizado.

Voltemos à análise da simbólica expressão "Dá nada pra mim" ela explícita por parte desses jovens uma falsa sensação de impunidade que a eles é atribuída, pois por serem menores, a justiça lhe confere mediante ao Estatuto da Criança e Adolescente e especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que também é pejorativamente chamada como "Direitos dos Manos" a licença para cometer crimes. Tais posicionamentos da sociedade brasileira demostram a total ignorância e desconhecimento sobre os conteúdos desses dois documentos, os quais são primordiais para o processo civilizatório que a humanidade viveu nos últimos séculos. Em especial os direitos humanos que é um documento que busca deixa claro que todos os seres humanos, independente de raça, cor, credo ou nacionalidade tem direitos inalienáveis como direito a vida , a liberdade , a propriedade, a educação, a um emprego digno e a não ser vitima de justiça sumária.

Outro efeito nocivo deste posicionamento da sociedade Brasileira que é cristalizado na expressão "Dá nada Pra mim" é estimular parcela da juventude em condição de vulnerabilidade social a entrarem para o mundo do crime, pois o próprio discurso corrente afirma que pelo fato de ser menor de idade os jovens não enfrentarão maiores consequências frente ao fato de se enveredarem para o caminho da criminalidade seja no tráfico de drogas, realizando furtos, roubos e até mesmo crimes hediondos como assassinatos e estupros, afinal de contas "Não da Nada Pra Mim".

Esse discurso cai por terra quando analisamos as estatísticas apresentadas pelo Mapa da Violência e utilizadas pelo Programa JUVIVA – Juventude Viva – realizado pelo governo Federal no Ano de 2012 em parceria com o Observatório da Juventude da UFMG.

Esta pesquisa mostra que em 2012 o Brasil apresentou o astronômico número de 50 mil assassinatos - (no ano de 2017 chegamos a marca de 60 mil assassinatos), números esses que intrigam pesquisadores internacionais, pois essas são estatísticas dignas de países em guerra como Síria e Iraque. Recortando os dados verificamos que desse total 60 por cento dos mortos era composto por jovens de idade entre 14 a 29 anos, a maioria - setenta por cento - composta de negros (pretos e pardos), no que se referem ao sexo das vitimas de homicídio 91,5 por cento eram homens. Para concluir, o perfil de quem é assassinado no Brasil a maioria das vitimas eram moradores de periferias sociais – vilas, favelas e bairros pobres - com baixa escolaridade e representativo número de pessoas que se quer ingressaram no ensino médio e oriundos de famílias de baixa renda, ou seja, justamente o perfil , como relatado acima, de quem é estimulado a incorporar o discurso do "Dá nada pra mim". Portanto, podemos concluir através das estatísticas que o discurso qual defende a falta de maiores consequências do envolvimento de jovens com a criminalidade não é real, pois para esse grupo a expectativa de vida é bastante baixa e nesse curto período de vida acumulam sucessivas passagens por centros de ressocialização, que de ressocialização só possuem o nome, e por cadeias que são verdadeiras masmorras, ou seja , para esses jovens definitivamente o crime não compensa, mas para completar o ditado popular, tudo conspira a favor.

Os dados apresentados pelo mapa da violência no Brasil levaram a alguns órgãos de defesa da juventude a afirmarem que o Brasil passa por um processo silencioso de genocídio da juventude pobre e negra, pois mantidas essas estatísticas por vários anos teremos o aniquilamento desse seguimento da população, o qual historicamente não tiveram os seus direitos básicos garantidos como direito a moradia , direito a educação de qualidade , direito a um emprego digno e agora tem o seu direito mais fundamental, que é o direito a vida, violado. Claro que alguém vai ler esse artigo e afirmar que eu estou propondo que protejamos os "vagabundos", mas como o estudo do Professor Luís Flavio Gomes analisou legislações penais de mais de 70 países constatou, não são leis mais rígidas que combatem a criminalidade, mas sim a implementação de direitos básicos que promovam a diminuição das desigualdades, basta verificar que os países que tem as menores taxas de criminalidade são também os que apresentam os melhores índices de distribuição de renda e educação, ou seja, esses países ao invés de questionarem o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos o colocaram em prática.

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