A sociedade brasileira vivencia atualmente o acirramento dos ânimos em uma improdutiva discussão de surdos entre “esquerda” e “direita” a qual tem como resultado a ampliação de discursos ultraconservadores que afeta instituições que até então gozavam de amplo prestigio frente à sociedade e se mostravam como ponta de lança em nossos processos de transformação social. Nesse conflito podemos verificar que a bola da vez é a Escola , como podemos constatar com o crescimento de um falacioso movimento intitulado “Escola Sem Partido” que na verdade pretende impor um sistema educacional que afaste os alunos de qualquer leitura crítica frente à sociedade em que vivemos, chamando arbitrariamente tudo o que os seus membros não concordam de “Doutrinação ideológica”.
Uma síntese desse discurso conservador é a divulgação em rede sociais da frase a qual afirma que “a família educa e a escola ensina”. Por mais bem intencionadas que sejam as pessoas que defendem esse posicionamento, o mesmo esbarra na própria definição sobre o que é de fato educação e como as pessoas se educam. Um primeiro elemento que não pode ser ignorado é que o processo de educação de um indivíduo apresenta uma infinidade de nuances que nem sempre são passíveis de serem controladas, sistematizadas e se dão tanto por ensinamentos intencionais assim como por exemplos práticos oferecidos por outros indivíduos com quem nos relacionamos. O processo educativo assim se dá no contato entre os indivíduos frente as mais diversas instituições sociais como família, igreja, grupos de amigos, mídia e obviamente a presença desses indivíduos na instituição escolar. Assim ignorar o papel da escola na construção dos valores morais e éticos das crianças e jovens que frequentam essa instituição é minimamente imprudente, pois mesmo que não queiram, os professores influenciam na formação e nos valores dos sujeitos alvos do processo educativo com quem relacionam-se na condição de alunos. O ato de não explicitar e nem refletir de forma independente sobre essa influência faz com que os professores a exerçam de forma inconsciente, como denuncia o sociólogo Francês Pierre Bourdieu, que apontou em seus estudos que a escola pode contribuir para a perpetuação das desigualdades caso não compreenda de fato os contextos familiares e sociais que estão inseridos os indivíduos os quais atendem. Em sua avaliação ao ignorar as especificidades dos sujeitos a quem atendem e ao submeter estes a um sistema extremamente meritocrático e pensado apenas para atender as especificidades da classe média a escola ao invés de contribuir para o fim das desigualdades contribui para sua perpetuação.
Outro equivoco do discurso o qual afirma que “Educação é obtida em casa e a Escola só ensina” é a sacralização das famílias as entendendo como perfeitas e que possuem valores acima de qualquer crítica. Nesse sentido podemos aproximar o conceito de educação ao conceito de socialização dos indivíduos, assim o contato do indivíduo a partir de sua mais tenra idade incute, de forma intencional ou não, valores que nem sempre são os mais nobres. Um bom exemplo é a perpetuação do racismo em nossa sociedade. Nós sociólogos podemos afirmar, com certo grau de certeza, que ninguém nasce racista, esse comportamento preconceituoso é adquirido via contato social com outros indivíduos que apresentam valores racistas e infelizmente, mesmo de forma não explícita, é transmitido para os sujeitos alvos do processo de socialização via as instituições sociais a qual ele tem contato como família, mídia, religião, estado e também escola. O mesmo ocorre com a cultura da violência, intolerância religiosa, machismo, homofobia e demais preconceitos que estão muito presentes em nosso cotidiano e que fazem a vida de milhares de pessoas serem menos dignas.
Assim, caso o grupo familiar, mesmo de forma inconsciente, promova esses valores em seus filhos, a escola se mostra como um excelente espaço para esses indivíduos problematizarem esses valores via uma perspectiva agora científica e analises das leis que pretendem abolir comportamentos preconceituosos em nossa sociedade , os quais mesmo havendo leis que busquem sua superação ainda perduram. Talvez esse seja o ponto de tensão entre os processos educativos realizados na escola e os valores dos grupos de familiares de nossos alunos, pois é comum os pais não se sentirem confortáveis, mesmo que visivelmente errados, quando os seus filhos os questionam sobre alguns de seus valores e esses costuma inclusive reagir de forma autoritária e avesso ao diálogo. Assim, analisando um caso extremo, não há de se surpreender que um pai machista que pratica violência doméstica não ache conveniente que na escola de seus filhos discutam questões ligadas a equidade de gênero e a Lei Maria da Penha, pois de fato a escola em alguma medida está “jogando os filhos contra o pai”.
Tendo em vista esse cenário, devemos entender que qualquer contato humano seja ele em casa, entre os amigos, via programas de TV, na internet e claro na escola possuem um caráter educativo, portanto em todos esses espaços, de forma consciente ou não, estamos nos educando e nem precisa acreditar nos especialistas é só observar o mundo a sua volta e perceberá o quanto essa colocação está correta tanto no viés positivo, onde os indivíduos são socialmente instruídos pelas famílias , mídia e escola para uma postura ética e em busca de uma sociedade mais justa e solidaria como infelizmente em seu viés negativo onde essas mesmas instituições influenciam esses sujeitos para o egoísmo, sexismo, consumismo e atitudes que possam ferir a dignidade alheia para conseguir algum proveito.
Portanto, podemos concluir que os sujeitos são frutos das experiências e reflexões sobre as experiências que acumularam durante a sua vida nos mais variados espaços. Excluir a escola desse leque de instituições que influenciam na educação do sujeito impede que os professores - assim como pais, publicitários e sociedade de forma geral - reflitam sobre o caráter educativo - e porque não deseducativo - de suas ações, mesmo que esse educador não ministre uma disciplina das ciências humanas as quais tratam de forma direta de temas como ética , valores e moral. Por fim cabem citar um provérbio africano para nos ajudar a lançar luz sobre essa questão: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.