Marcos Antonio da Silva, Doutor em Sociologia da Educação pela UFMG
Muito se fala sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), principalmente em telejornais e mídias de maneira geral. Estes veículos realizam, a cada dois anos, um grande estardalhaço em torno da divulgação desse indicador, mas são raras as pessoas que realmente compreendem o que é o IDEB, e menos ainda os governantes que utilizam de maneira correta esse importante instrumento. Esse cenário desvirtua os propósitos para os quais o índice foi criado e o torna alvo de uso político, como no caso em que prefeitos, governadores e até mesmo ministérios da educação, que divulgam de maneira pouco reflexiva esse índice quando há um aumento sob sua gestão, inclusive colocando placas na porta das escolas. Isso tem como efeito prático o aumento das desigualdades dentro da rede, pois escolas que apresentam alto IDEB costumam atrair famílias com maior capital cultural e educacional, e que realizam altos investimentos, inclusive econômicos, na vida escolar de seus filhos. O simples fato de pesquisar o IDEB de uma escola antes de matricular o filho já é um grande diferencial para essas famílias. Já escolas que apresentam um baixo IDEB tendem a atrair estudantes pertencentes a famílias com perfil diametralmente oposto ao descrito anteriormente, ou seja, com baixo capital educacional e que participam pouco da vida escolar de seus filhos. Nesse sentido, temos uma distorção do propósito inicial desse indicador, que partia do princípio da equidade; ou seja, escolas com mais dificuldades, ao invés de serem estigmatizadas, deveriam ser alvo de maior investimento.
Outro fenômeno ocorrido com esse evento midiático, que se tornou a divulgação do IDEB, é que, quando o índice sofre redução, resulta em um cenário de forte opressão de professores e gestores das redes, que são responsabilizados por esses baixos resultados, o que se configura, na maioria dos casos, como algo injusto. Como apresentado no parágrafo anterior, as escolas que apresentam números baixos nesse índice merecem mais atenção e não punição, pois, via de regra, os fatores que contribuem para o aumento ou redução desses números não estão sob sua agência, mas sim são resultado de políticas pouco eficazes formuladas pelos gestores para atender estudantes e suas famílias. Fica cada vez mais evidente a importância de um sistema de assistência social eficiente, políticas de geração de emprego/renda, entre outras políticas públicas voltadas para as famílias, para que os alunos apresentem um melhor desempenho. Outra consequência desse cenário é o aumento do mal-estar dentro do espaço escolar. Em casos de redução do IDEB, as equipes de gestão e professores passam a receber os representantes da prefeitura ou do governo do estado, que exercem o papel de inquisidores, o que tem consequências negativas, pois os estudos sobre sucesso e fracasso escolar mostram que o efeito professor é essencial: profissionais motivados e bem pagos fazem toda a diferença no aprendizado das crianças, enquanto professores mal pagos e desestimulados por cobranças injustas e excessivas tendem a investir menos em suas carreiras.
Ainda, um detalhe que merece ser citado também é a precariedade na produção desses dados, o que pode gerar distorções e manipulações. Esse indicador é construído a partir de dois dados: o fluxo escolar, ou seja, a taxa de aprovação dos estudantes, e a nota em avaliações externas (Prova Brasil e SAEB). No que diz respeito ao fluxo escolar, a busca de prefeituras e governos estaduais pela melhoria desses indicadores leva gestores a desenvolver a exigência da aprovação compulsória dos estudantes, mesmo que estes não tenham consolidado as competências e habilidades referentes ao ano que cursam. Assim, o IDEB é novamente desvirtuado, pois, ao invés de analisar os dados e tentar melhorar a qualidade da rede investindo em formação e melhores salários para os professores, na infraestrutura e no apoio às famílias — fatores que cientificamente já foram comprovados como impactantes no desempenho dos estudantes —, a estratégia de governos e municípios é praticamente proibir a reprovação de estudantes na rede, mesmo de alunos que não têm condições mínimas de avançar para a próxima etapa do ensino.
Na outra ponta, gestores e professores reclamam do baixo engajamento dos estudantes nas avaliações externas. Devido ao alto número de avaliações que governos e municípios submetem os estudantes, estes acabam por realizar provas que, na prática, não têm valor para eles e que, na maioria dos casos, estão muito distantes de sua realidade. Resulta em alunos que chutam a resposta da maioria das questões, sem sequer tentar fazer a prova. Já ouvi, durante a aplicação dessas provas, alunos dizerem que, no dia da “prova do governo”, eles chutam tudo para depois ficarem tranquilos. Por mais que eu repreenda estes estudantes e busque incentivá-los a fazer a prova da melhor forma possível, não tiro totalmente sua razão, pois na prática eles estão, assim como nas redes sociais, sendo minerados por gestores, em busca de dados positivos para sua gestão, que para isso criam seus próprios instrumentos de avaliação externa.
Na escola onde participo da equipe de gestão, somente neste ano de 2024, tivemos mais de cinco avaliações externas, muitas das quais “chegam de paraquedas” e gastam preciosos tempos de aprendizagem, principalmente de disciplinas como sociologia, filosofia e artes, que no atual arranjo curricular, a despeito de sua importância, inclusive alardeada na BNCC, possuem apenas uma aula por semana. Tudo isso apenas para tentar gerar índices a serem repercutidos na mídia, tendo em vista que raramente os dados gerados por essas avaliações se transformam em ações concretas de apoio às escolas que mais necessitam. Como consequência, poucas escolas, principalmente em localidade como Ribeirão das Neves, atingem a notas acima de 6, que dentro de uma escala que via de 0 a 10 , e o mínimo para que um escola seja considerada boa. Assim, comemorar o aumento de 4,3 para 4,6 no fundamental II nas últimas edições como tem feito nossa prefeitura é algo desolador, pois mostra que estamos muito longe do que é aceitável.
Feita essa introdução crítica, no próximo artigo tentaremos analisar os dados apresentados no IDEB de Ribeirão das Neves, buscando compreender o que eles sinalizam para a melhoria das políticas públicas em nossa cidade.