Um série de reportagens do jornal O Tempo em Ribeirão das Neves mostrou a mobilização do grupo "Acorda Neves" em busca de melhorias em Ribeirão das Neves, a falta de infraestrutura no municipío e ainda uma mini entrevista com a prefeita Daniela Corrêa (PT).
De acordo com o períodico, inicialmente, a ideia para esta matéria era ficar dois dias na casa de uma família nevense, acompanhando os compromissos desses moradores. Porém, no condomínio Jardim Alterosas, na região do Veneza, a reportagem foi ameaçada de morte por um grupo que não aceitou a imprensa no local.
Segundo o jornal, a reportagem entrou em contato várias vezes com a 203ª Companhia de Polícia Militar do 40º Batalhão de Ribeirão das Neves, mas ninguém respondeu às ligações. Veja a íntegra das três reportagens sobre o município.
Moradores se unem para cobrar mais empenho
Cidade-presídio, favela do sertão ou cidade-dormitório. Os apelidos fazem jus a um município que, com seis unidades prisionais, abriga 10% da população carcerária do Estado, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social, e ainda conserva bairros inteiros sem asfalto e vê 60% dos seus moradores trabalharem em cidades vizinhas, de acordo com dados da Prefeitura.
Foi nesse contexto que, há um ano, um grupo de estudantes, trabalhadores e funcionários públicos resolveu dizer um basta aos codinomes dados a Ribeirão das Neves a partir do movimento Acorda, Neves!. Essa foi a primeira mobilização social a fiscalizar os 14 vereadores da cidade, além de cobrar e propor investimentos públicos. Os parlamentares são avaliados conforme 20 quesitos, que vão desde a apresentação de projetos de lei relevantes até a pontualidade na Câmara. Seis vereadores têm avaliações negativas feitas pelo grupo. Na página do movimento na internet, é possível ver um ranking atualizado dos vereadores e também o plano de governo da prefeita Daniela Corrêa (PT).
“Vamos acompanhar e cobrar as promessas, porque queremos mudar a cidade. As pessoas têm a impressão de que os moradores de Ribeirão das Neves não gostam daqui. Nós gostamos da cidade e queremos morar aqui, só que com a infraestrutura necessária. O povo nas ruas e organizado em movimentos tem refletido em mudanças”, avalia o técnico de enfermagem Reinaldo Fagundes, 35, um dos organizadores do grupo.
As reuniões mensais acontecem com o número de 50 a cem participantes ativos. Porém, na página do Facebook, o movimento possui 7.600 membros. “Recebemos sugestões diversas na internet, muitas viram pautas nas discussões presenciais”, informou a pedagoga Patrícia Fernanda, 33.
O empenho do movimento social começou a dar resultados. Após uma semana de protestos, o governo de Minas anunciou, no dia 25 de junho, a retomada da duplicação de 8 km da LMG–806, prometida há oito anos e paralisada duas vezes nesse período. As obras já começaram.
Em Neves, ‘falta alguma coisa em todo lugar desde sempre’
O cadeirante Alessandro quer voltar a estudar, mas não realiza esse desejo pela dificuldade de se locomover por ruas de terra que há três décadas esperam a chegada do asfalto. Onofre mora ao lado do posto de saúde, mas compromete 20% do seu orçamento para pagar um plano particular porque desistiu de esperar seis meses por uma cirurgia. Enquanto isso, o vigia Ricardo não sabe se vai voltar para casa após o trabalho, porque o ônibus pode não passar.
Essas histórias fazem parte da rotina da terceira cidade com menor arrecadação do Brasil, segundo a Frente Nacional de Prefeitos: Ribeirão das Neves. Lá, pelo menos 70% da população é obrigada a lidar com transporte público precário, saúde ineficiente e uma educação excludente – motivos que levaram centenas de pessoas às ruas nas últimas semanas. A pé, de carro e de ônibus, a reportagem de O TEMPO percorreu, por dois dias, as três regiões da cidade: Centro, Justinópolis e Veneza.
“É assim que percebemos Neves: falta alguma coisa em todo o lugar desde sempre”, define o vigia Ricardo de Oliveira Reis, 45, que caminha 2 km até o ponto de ônibus todos os dias. Geralmente, ele espera 50 minutos pelo coletivo e muitas vezes é retribuído com a “janelada”, ou seja, o veículo não para. “Você viu o ônibus passando lotado? Na volta é pior, saio às 5h do trabalho, e muitas vezes ele não passa. Aí, procuro a casa de parentes na capital para dormir”, desabafa.
A peleja é vivida por 60% da população, ou seja, 160 mil pessoas, que trabalham na capital e contam com 80 linhas de ônibus municipais e intermunicipais.
Enquanto alguns se apertam nos ônibus, o cadeirante Alessandro Souza, 35, nem sequer embarca. Paraplégico há 26 anos, desde então ele sonha concluir o ensino médio. Para se locomover, precisa da ajuda de amigos, já que as ruas do bairro San Genaro, no Veneza, onde mora, são de terra. “Tentei voltar a estudar várias vezes e nunca consegui porque dependo de pessoas para me empurrar por 3 km até o ponto de ônibus”, diz. A prefeitura recapeou 700 ruas no município neste ano, mas ainda falta asfalto em pelo menos outras 5.000.
Para as crianças, estudar também é um sufoco. Das 87 escolas da cidade, pelo menos 60 são infantis e 40 dessas estão adaptadas em casas alugadas pela prefeitura.
O resultado é um cenário como o da Escola Municipal Clemente Alves Dias, no centro da cidade, onde até um corredor de 1,5 m de largura serve para cerca de 200 crianças de 2 a 6 anos se revezarem em suas atividades. “A reunião de pais é feita no parque de diversões, que também abriga uma lavanderia. Temos salas sem janelas e crianças desconcentradas”, resume a pedagoga Patrícia Fernanda, 33.
Encontrar tratamento adequado também não é fácil na cidade, onde 98% dos 304 mil habitantes dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), mas só podem contar com 1.500 profissionais, segundo estimativa do Sindicato dos Servidores de Saúde de Ribeirão das Neves. “Cerca de 50% dos profissionais que assumiram cargos de saúde no último concurso (2007) saíram porque não havia materiais básicos, como álcool”, revela Maria Glória dos Santos, do Conselho Municipal de Saúde.
Mesmo morando ao lado de um posto, no bairro Havaí, o pastor Onofre Marques da Silva, 55, não usa o sistema público. “Prefiro garantir uma saúde melhor para minha esposa e para mim”, ressalta.
“Não dá para pagar dívida e investir. É uma situação que se arrasta há tempos”.
Os moradores de Ribeirão das Neves reclamam há anos dos mesmos problemas. Por quê?
Somos a terceira cidade mais pobre do país, com um orçamento de R$ 150 milhões por ano. Estou há sete meses no governo e herdei uma dívida de R$ 100 milhões. Não dá para pagar dívida e investir, é uma situação que se arrasta há tempos. Nos próximos dias, vamos entregar um dossiê ao Ministério Público sobre a dívida para poder investir mais.
Na saúde, existe a falta de médicos e de materiais básicos nos postos. Como resolver isso?
Nossa rede de saúde é pequena para o número de habitantes. No Programa Saúde da Família (PSF), por exemplo, é preciso dobrar o número de médicos para atender todo o mundo. Essa é a nossa meta até o fim do mandato. Vamos abrir um concurso até dezembro para a área da saúde (a quantidade de vagas não foi definida ainda).
Paralelamente, estamos abrindo licitações para a aquisição de materiais que estão escassos, mas não em falta. Porém, só no fim do ano teremos concluída uma auditoria em todos os contratos vigentes da saúde. Aí, teremos um panorama preciso do que é gasto e de como poderemos investir.
A reclamação do transporte público é generalizada. Desde a longa espera até ônibus sem bancos. Contratos de empresas podem ser revistos ou cancelados?
Vamos renovar 50% da frota até setembro. Vamos fiscalizar tudo: pintura, chassi do veículo, rodas, tudo. Se alguma coisa estiver fora das exigências, a empresa terá que se adequar para rodar. Hoje, às vezes, a empresa não atende cinco ou dez pessoas em um ponto de ônibus porque é prejuízo em determinado horário que tem pouca demanda. Mas as pessoas têm que ser atendidas. Temos que conciliar o empresariado e a necessidade da população. Cancelar os contratos é complicado. Vamos concluir um mapeamento do transporte público em dez dias, que vai rever rotas e horários das linhas. Podemos ir alterando o estudo até ficar ideal.
As escolas infantis estão quase todas instaladas em casas improvisadas, o que dificulta o aprendizado e gera superlotação. O que fazer?
Vamos acabar com essas casas improvisadas até o fim do meu mandato. É um prejuízo à educação. Recebemos R$ 30,6 milhões do Ministério da Educação para construir 17 escolas. As obras vão começar e ser concluídas no ano que vem. Além disso, também até o fim de 2014, todas as escolas da cidade estarão no modelo integral.