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Aproveitando recesso escolar dos filhos, um adolescente de 13 anos e uma menina de 5, um casal amigo, resolveu visitar os pais dela, numa fazenda, no Estado do Tocantins. Ao todo seriam mais de 1.200 km a serem percorridos, num trajeto de 15 horas. 

A viagem foi resolvida meio de supetão e a expectativa em curtir uns dias tranquilos na roça, longe da agitação da cidade e do frio das Gerais, animava a mulher, que, ainda de quebra, mataria a saudades dos pais. 

A família é toda muito light. A alegria e educação faz gosto ver. O marido comunicativo, é pra lá de bonachão. A esposa é das artes plásticas e não costuma apelar com nada. Mas, segundo ela, o excesso dedo companheiro, às vezes, lhe tira do sério, e, olha que ela é calmíssima. 

Madrugada de segunda-feira, com a calma peculiar, a família adentrou no carro, um siena prata, novinho em folha e, pé na estrada. As crianças felizes porque iam rever os avôs, o marido porque ia descansar do trabalho burocrático, a mulher porque ia desligar da escola, dos alunos, da mesmice... 

Ela, com certeza, pensaria mais nas artes que a inspiraria: a bela paisagem, o rústico, o mato, o rio, a cachoeira e o aconchego da casa paterna. Assim, a viagem prometia. Na rodovia, a mulher perguntou ao marido se o tangue do carro de 45 litros, estava completo. Imediatamente, pensando no preço da gasolina, o marido respondeu que ele abasteceria num posto na qual a gasolina estivesse mais barata, à beira da estrada. A mulher começou a ficar meio encabulada, pois conhecia o excesso de confiança do marido e ela sabia que, em viagem de muito chão, não se pode vacilar, ainda mais com criança a bordo.

A cada km percorrido, ela o alertava sobre o combustível. Até que um determinado momento, um grito de mulher. Os dois ponteiros do carro se unirão. A gasolina estava no fim. O marido parou o carro assustado. "O que foi bem?". Ela ficou muda. Ele abasteceu e seguiram a viagem ainda com muito chão pela frente. 

De repente, as cidades, os lugarejos começaram a se distanciarem. Os carros que cruzaram por eles, eram escassos. Às margens da rodovia, a vegetação era de muito e gente de menos. As crianças dormiam, o marido cantava e a mulher olhava aflita os ponteiros. E, assim, sem acreditar no que viu, ela gritou: "O combustível acabou e agora?" Foi então que ele começou a ficar com medo da sua gracinha e perguntou para um homem que, por sorte, caminhava na rodovia. "Onde posso abastecer?" O homem respondeu: "Daqui a 18 km". A mulher esfriou e empalideceu. "Meu Deus!" O marido acelerou sem dar uma palavra.

Ao parar o carro no posto de gasolina, a mulher tirou o chinelo e lascou no marido e só parou por causa dos protestos da filha: "Mãe, não bate no meu pai. Mãe, não faz isso, eu gosto do meu pai, mãe, pai..."

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Ribeirão das Neves é berço de uma parcela significativa de nevenses. É também teto para os mineiros oriundos de muitos solos das Gerais e de milhares que habitam o seu chão. Este chão dos que nasceram, dos que o município acolheu e dos que adotou. Eu, como cidadã nevense, quero acreditar que, nos momentos de dificuldade, a “oração é mais forte que a crítica.” Que os investimentos anunciados pelo governo federal possam de fato chegar e melhorar os serviços essenciais e que eles sejam tangíveis à população.

É hora, reafirmo, de acreditar na reconstrução e no desenvolvimento, lembrando que a cidade tem um Centro Industrial privilegiado, pois é um dos mais bem localizados da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). É ligada à BR040, corredor de escoamento de mercadorias, está interligado também aos grandes centros industriais e de consumo, como Belo Horizonte, Contagem, Betim e ainda ao polo industrial emergente, como Sete Lagoas.

Mas, vale dizer também que, ao celebrar 64 anos de Emancipação Política, o outro nome de Ribeirão das Neves é a solidariedade, pois o granizo e o vento uniram moradores e autoridades para socorrer quem tudo perdeu. É hora então, de acreditar na reconstrução da cidade. De apostar na Administração de Junynho Martins, “filho da Terra”, eleito com mais 70 mil dos votos válidos. Sendo, portanto, legitimado por grande parte do eleitorado, que tem um compromisso assumido com a população em fazer de Ribeirão das Neves, uma cidade infinitamente melhor, alavancando o seu desenvolvimento tão sonhado e necessário.

Sabe-se, entretanto, que os desafios são muitos, mas as melhorias já estão acontecendo. Chega de estigmas, de apontar a pobreza e a miséria dos moradores do município como castigo. É hora de combater indicativos sociais tão explorados pela mídia e de políticos à caça de votos. É hora de rejeitar o município como sendo só território de muitos votos e de muitos problemas. É hora de acreditar na transformação, que deixará pra trás décadas de exploração política. É hora de combater os loteamentos irregulares, ocupados pela população menos favorecida e que hoje cobra uma vida com mais dignidade.

Em 2017, a realidade do município é outra, pois os quase 400 mil habitantes sinalizam que o romântico e bucólico distrito ficou pra trás e, que, definitivamente, Ribeirão das Neves é uma “selva de pedra”, que vive todo stress urbano: trabalhadores que enfrentam filas imensas nos coletivos públicos, escandalosamente, precários e, vivem um cotidiano de muitas carências e da violência que compromete a segurança dos seus cidadãos, uma, cidade que tem, constantemente, câmaras e microfones de TVs e rádios voltados para si, mostrando os problemas vivenciados pelos moradores, mas também explorando a desinformação e a vulnerabilidade dos mesmos. Além disso, tem as “redes sociais” monitorando tudo. Vale lembrar também que ao fazer a “travessia”, a cidade teve modificado os seus ritos religiosos e políticos. Teve ignorados os seus costumes, crenças e tradições. Hoje, está tudo junto e misturado e o sentimento de “pertencimento” não existe para a maioria da população. É uma Ribeirão das Neves sem identidade. No campo da política, por ter um eleitorado significativo, é palco para caçadores de votos e oportunistas de plantão, que tentam fazer da cidade o seu curral eleitoral. Por outro lado, vale ressaltar que aqui, é o “espaço carcerário” imposto pelo governo do estado. E, esse estado deve ao município investimentos reais e não ações paliativas. A implantação dos presídios não foi acompanhada de contrapartida, de investimentos relevantes que melhorassem a qualidade de vida dos seus moradores. Por isso, a demanda por investimentos em áreas como saúde, transporte e empregabilidade é preponderante para a população.

Vale dizer ainda que, em 12 de dezembro de 1953, quando da emancipação, Ribeirão das Neves era um distrito com poucos moradores. A realidade era composta do que estava à sua volta, não havia imagem e a difusão dos acontecimentos era quase falha. Por isso, o registro que foi para a história, é de um texto que criou o município e de fotografias em preto e branco de um pequeno grupo político comemorando a emancipação, tudo de forma simples como convinha à época e, ainda que abrigasse em seu solo a Penitenciária Agrícola de Neves e, tudo girasse em torno dela, o distrito era pacato e nada acontecia que merecesse a vigília da grande mídia.

O certo, porém, é que a Ribeirão das Neves do século XXI, vivi todas as contradições de uma cidade grande e, os acontecimentos ruins realçam as fragilidades da cidade, no seu dia a dia. Por isso, é importante traçar o seu perfil histórico e suas mazelas, lembrando que a mesma nunca tinha passado por catástrofes provocadas por fenômenos da natureza tão impactante, os estragos, até então, vinham dos desmandos políticos, pela corrupção e pela manutenção da pobreza. De gestores que perpetuaram a política de apadrinhamentos e favorecimentos ilícitos. Assim, ao celebrar 64 anos de Emancipação Política Ribeirão das Neves ainda conserva a marca de um crescimento populacional desordenado, não acompanhado de investimentos em infraestrutura e saneamento básico e que garantissem mais qualidade de vida à população, pois tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tão baixo, comparado aos das cidades do Vale do Jequitinhonha. Além disso, faltou vontade política que favorecesse, de fato, o seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Mas ainda assim, é hora de acreditar que melhores dias virão. É hora de apostar no diálogo com a Administração Municipal e, juntos construir uma cidade mais justa e igualitária.

Hoje, o “Aniversário da Cidade”, neste 12 de dezembro, veio recheado de susto, medo e perdas materiais, devido ao forte temporal que desabou em Ribeirão das Neves, no dia 29 de novembro e que devastou a área central e bairros do entorno. A chuva de granizo acompanhada de ventos a 70km/h, deixou um rastro de destruição jamais visto no município e, com certeza, ficará na memória de quem presenciou. Passado uma semana, a cidade ainda sangra com um cenário que impactou os moradores: casas destelhadas, árvores arrancadas, ruas esburacadas e famílias desabrigadas e desalojadas, mas Ribeirão das Neves é muito maior que tudo que acontece e a história do povo mostra que somos como rocha.

Então, comemoramos com muito orgulho o aniversário da nossa cidade.

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Foi num sábado. Bonequinhas enfileiradas na porta de um depósito fechado, no centro da cidade, me chamaram a atenção. Ao lado delas, uma pequena mulher, de olhar meigo ou quem sabe triste, nos seus trinta anos. A cena à distância não era incomum, mas eu fiquei incomodada. Ao me aproximar, a curiosidade do outro lado da rua, se transformou em encantamento.

A mulher estava sentada e ao seu lado, bonequinhas de panos, rostos perfeitos e, lindamente, vestidas. Havia também uma caixa, que de imediato, pensei guardar mais bonecas. Mas, para minha surpresa, dentro da caixa havia uma menininha, ou melhor, uma bonequinha de verdade: olhos grandes, cabelos pretinhos e, que, ao olhar para mim, sorriu. Aí, eu quis saber da mãe se ela não achava ruim ficar ali. A mãe disse que a menininha nunca chorava, que era um doce e que ela a trazia porque não tinha com quem deixar. Que o dinheiro das vendas das bonecas, confeccionadas por ela, era vital para sua família, que passava por necessidade, e que o marido estava desempregado.

Meus olhos não desgrudavam da bonequinha e ela sempre me correspondia com um sorriso. Peguei-lhe as mãozinhas e dei-lhe um beijo. Sentido-me na obrigação de ajudar aquela mulher e a sua filhinha, comprei uma boneca bem colorida e que parecesse com a de verdade. Mas, a minha vontade era levar a bonequinha da caixa para mim.

Nos sábados seguintes, e, durante meses, os meus olhos não deixavam de apreciar aquelas duas figuras que me encantava. Até que um sábado elas não estavam mais lá. Confesso que senti falta, mas não consegui descobrir onde moravam. Pensei que a família pudesse ter mudado da cidade ou quem sabe, o marido arranjara emprego e a mulher não precisava mais vender bonecas na rua. Porém, aquela cena ficou gravada no meu olhar e me perseguia vida afora.

Os anos se passaram e eu nunca mais vi ou tive notícias daquela mulher e da sua filhinha. Um dia, fui escalada para entrevistar uma artesã, que tinha recebido um prêmio sobre presépios. Todos comentavam que o seu trabalho era maravilhoso e ela tinha o seu próprio ateliê. Ao vê-la, imediatamente a reconheci. É ela. A mulher das bonequinhas. Estava mais velha, mais forte, entretanto, a calma e olhar eram inconfundíveis. Eu fiquei emocionada e foi quando relembrei o seu nome. Naqueles sábados, o seu nome e o da filha eram tão importantes para mim. Então ela me disse: "Estou trabalhando aqui na Secretaria e faço artesanato" e me convidou para ver. "Lindo, muito lindo! E a sua filha?" "A Bianca? Ela tem oito anos e gosta de ler e escrever poemas".

Dias depois pude rever Bianca. Que vivacidade! Os olhos alegres e espertos eram os mesmos.

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Nas praças, ruas, calçadas e esquinas de Paris, Londres, Berlim, Madri… o cheiro do medo e da insegurança ecoa pelos cantos, alertando que, a qualquer momento, homens bombas, em nome da intolerância e do fanatismo, podem ceifar vidas de pessoas inocentes, Entretanto, a rotina dessas cidades não muda, pois as instituições e leis são confiáveis. E, mesmo ante a ousadia de terroristas, os cidadãos acreditam na segurança montada e na proteção do Estado.

No Brasil, o assombro sai do teatro que se transformou o cenário político, mas a peça é pobre e os atores de péssima qualidade. No palco, mentiras sinalizam sobre o falido Sistema que governa o país e, a cada ato encenado, os atores escancaram a insana e desenfreada corrupção, aliada a progressiva impunidade e injustiça. Além disso, na contramão dos desmandos e da roubalheira, a violência velada faz sangrar as filas dos hospitais, na comida que falta no prato de milhares e no desemprego que adoece a mente.

David Livingstone Smith, filósofo e escritor americano, afirma que os políticos são mentirosos profissionais, vendedores de ilusões e completa: “os políticos são mestres de manipular nossos medos, esperanças e de apresentar imagens falsas ou enganosas de si mesmos, do estado e do mundo que eles farão.” Segundo Smith, é impossível ser um político de sucesso sem ser mentiroso. Mas, a mentira e o descaramento de políticos brasileiros atingiram níveis inaceitáveis, ainda que se diga que a política nunca foi mesmo um território de santos e inocentes. Isso no mundo inteiro. Mas, no Brasil, ela provoca um estrago e estranhamento tão grande que chega a perversão. Vale lembrar que a sociedade está à mercê de uma violência urbana que cerceia o cotidiano do cidadão de bem, mostrando que o país está despedaçado, pois contabiliza mais de 60 mil homicídios ao ano e desampara 14 milhões de brasileiros desempregados. Além disso, a crescente violência contra a mulher e a homofobia que saiu com força do armário alertam que o Brasil não avançou em programas de atenção e de proteção à mulher e o desrespeito às diferenças de gêneros é chocante.

Porém, no momento, o que de fato, precisa acontecer é o surgimento da verdade e o comprimento da justiça, banindo de cena as elites políticas e empresariais corruptas, combatendo também o discurso da ilusão, reverter o quadro, limpar a sujeira e remover o entulho acumulado durante décadas. Os meios de comunicação mostram, analisam, exaustivamente, o descabimento, as incertezas, o estranhamento e, principalmente, a impunidade. O mau cheiro terrível que escapa dos porões e dos buracos da política em Brasília, é de deixar tonto o mais desavisado cidadão de bem, que assiste boquiaberto até onde corruptos e corruptores vão parar. Tal qual a forma as empresas se envolveram no esquema institucionalizado da corrupção que o único meio de sobrevivência é continuar no esquema.

Dessa forma, diante de tantas bandalheiras, fica difícil acreditar que o Brasil tem chance de sair da sua maior crise política, pois mantém no poder um presidente que não é legitimado e que não nos representa.

Como acreditar que o país vai recuperar a credibilidade, o crescimento econômico e a política como construção democrática da representatividade popular, se bandidos agem descaradamente em nome de grupos econômicos, fazendo as piores propostas, mostrando que o dinheiro flui mais para quem negocia não com bens, mas com favores? Que as delações explicitaram que, depois de distribuir as propinas, usam o Brasil sem nenhum escrúpulo do menor político até o presidente da República.

Como acreditar que o Judiciário seja uma garantia de respeito à ordem constitucional, se muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho e, que as Leis não nos protegem deles? Como esperar justiça de um Judiciário que usa a farsa e muitas vezes um faz de conta, afirmando legalidade a tantas e infindáveis acusações? Como acreditar que os partidos políticos sejam resultados de estudos e planejamento de ideias, de compromissos a programas inovadores e de promoção social, se hoje se configuram em um ajuntamento de aproveitadores, fraudadores, ladrões a espera da primeira propina, sempre ajustados ao interesse de quem paga mais? Por fim, como não acreditar que as instituições brasileiras estão falidas? Se o descrédito a elas é total, pois a corrupção é recompensada e a honestidade, não. Enquanto isso, o Brasil perpétua um atraso secular, o sofrimento e a pobreza que assola milhões de trabalhadores, que ainda podem ser punidos com o pesadelo da famigerada reforma trabalhista.

O certo, porém, é que a sociedade não pode se omitir. É preciso pressionar, ocupar as ruas, os espaços públicos, exercendo a cidadania, lembrando que o voto é a arma mais poderosa e legítima, ainda que muitos políticos eleitos pelo povo sejam para cargos municipais, estaduais ou federais, vivem sendo citados por práticas ilícitas na administração pública, incluindo a má gestão e a favorecimento de amigos e apadrinhamentos. O cidadão pode sim, mudar a situação, escolhendo melhor o seu candidato no momento do voto e depois fiscalizar seus representantes eleitos, cobrando seriedade, ética e trabalho honesto em prol do bem comum. Vale lembrar, entretanto, que não se pode culpar só os políticos. Há toda uma estrutura de governo, em todos os poderes, corrompida, apodrecida e deitada em privilégios absurdos e inaceitáveis, sendo impossível saber quais são os limites para participar do jogo. Contudo, as cortinas caíram explicitando o universo deteriorado, e, uma coisa é certa, com a Justiça Divina não se brinca, a cobrança aos culpados, em algum momento vem.

Vale dizer também que, para ter um país melhor, mais justo e igualitário, é preciso investimento real na educação, cultura e na arte, pois a arte humaniza e transforma o cidadão. Por hora, a música de Caetano Veloso, “Podres Poderes”, do final da década de 80, reflete a conjuntura do Brasil atual, a metáfora sobre a quadrilha que hoje comanda o país.

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais.”

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"Escrevo para tranqüilizar a saudade"
(Rubem Alves)

Saudade é um sentimento de nuances. Contraditório por vezes. Ela nos reconforta, nos desequilibra, nos aquieta, nos desconstrói e nos desestabiliza, mas nos mostra o amor, ainda que doido.

Saudade traz alegria, choro, tristeza, loucura temporária, tudo junto e misturado. Traz também novos olhares sobre tudo que já vivemos e que nos fortalece, trazendo o aconchego dos entes queridos e a valorização das nossas raízes. Saudade é como um arqueólogo, que cava minuciosamente, a nossa alma. Ela nos remete ao passado, ao querer voltar no tempo que foi bom e prazeroso. Saudade é memória. A poetiza Adélia Prado escreveu: “aquilo que a memória ama, é eterno.” Eu acredito, a saudade provoca a volta ao que vivemos, ao fortalecimento dos nossos laços familiares, as fantasias da infância ampliadas e transfiguradas pela memória, tornando mais belo o vivido. Promove um diálogo com o passado e comprova que o amor aos nossos pais é exclamação eterna.

Há quase cinco anos, sinto uma saudade diferente. Antes era uma saudade despercebida. Eu não a levava tanto a sério. Hoje, o meu olhar ficou mais detalhista com o que vivi, aprendi, brindei e compartilhei e, estou aprendendo a não ter pressa, a meditar e a descobrir quem            eu sou. A saudade, às vezes, me é dolorida, outras, mais leve, com alegria e boas recordações. Mas, se a saudade se dá a este papel, ela também escancara que tudo que é belo, passa, que tudo que amamos, passa. É por isso, que ela é um estar em nós.

Em algumas datas comemorativas, a saudade bate mais forte em nós, e não é pelo apelo  comercial, mas, porque o que está sendo comemorado, nos é significativo, nos pertence de fato, pois é a nossa alma que sente. Eu sempre recordo uma casa, uma sala, uma cozinha, uma mulher, um homem e um punhado de filhos. A mulher pequena, de voz mansa, que comandava com muito amor os seus filhos. A mulher que lavava e passava as roupas da casa, cozinhava e costurava. Cozinhava com o tempero da dedicação e costurava com os pontos da união e conciliação. Ela tinha também o discurso do amor.

A saudade traz de volta a criança que mora em mim. Então, lembro das brincadeiras de rua: do pegador, da amarelinha, do rouba bandeira... E da voz: “Menina, sai da chuva, você tem bronquite.” Lembro da sua religiosidade e da alegria, quando, aos quatro anos, cantei na coroação de Maria. Lembro também da sua vaidade e dos cabelos quase brancos.

O certo, é que a saudade que, comigo anda, esta semana, grita e, enquanto, escrevo, vejo um corpo, um rosto sereno, uma aceno e, constato que, o que eu mais queria, era estar ao seu lado, segurando a sua mão. Então, acesso alguns portais e em todos há um bombardeio de anúncios lembrando o “Dia da Rainha do Lar.” Penso como seria uma propaganda lembrando a rainha do lar, falando da “saudade”. Uma propaganda bem criativa e peculiar como a própria palavra que só existe no português. Como seria criar um desejo, uma marca, ante a uma palavra tão emblemática para a memória, mas que fala das coisas do coração, do acumulado pelo tempo e das experiências com o “outro?” Como motivar em cima de um sentimento tão perene, num mundo tão imediatista, tão superficial, num tempo tão corrido, virtual e “liquido”, como escreveu Bauman?

Eu, particularmente, acho que saudade é de um tempo vagaroso. Se o cotidiano a banaliza, tirando-lhe o seu valor, ela resiste porque faz parte do “belo”, e não é só sentida pelos poetas e boêmios. É um sentimento universal. Ela pertence a todos e transcende a nossa alma, porque nos desafia a sermos pessoas melhores pela reflexão que promove, ou quem sabe, ser como a fênix. O personagem Riobaldo, sabiamente disse que a lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos: “uns com os outros acho que nem não se misturam.” É verdade, a nossa vida faz recortes pra trás, sem misturar os fatos e as pessoas. A ponte com o passado é inevitável. Nós precisamos estar no “agora”, mas as nossas referências estão lá no passado. Por isso, rimos, choramos, redescobrimos, enfrentamos os desafios e revivemos ao sabor do grito chamado saudade.

Por fim, o meu diálogo com a epígrafe acima, é verdadeira, pois, como Rubem Alves, a escrita é minha cúmplice. Hoje, eu escrevo para tranqüilizar a saudade. E, assim, por meio dela poder expressar a minha a eterna admiração por uma mulher, reafirmando, que ela, a minha mãe, é hoje uma estrela e luz crepuscular da minha vida. E, só por ela, por hora, me rendo à propaganda, dizendo: "mãe, eu te amo".

Este artigo eu dedico as mães dos meus colegas de profissão: Lucinéia Pacheco, Léo Oliveira, Milton Santos, Jouse Prata, João Vitor, Raiane Santos, Maria Alves, Gabriela Cardoso, Alexandre Cardoso, Marcos Lima, Gisele Corrêa, Gisele Santiago e Eric Lucas.

 

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