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Saudade

"Escrevo para tranqüilizar a saudade"
(Rubem Alves)

Saudade é um sentimento de nuances. Contraditório por vezes. Ela nos reconforta, nos desequilibra, nos aquieta, nos desconstrói e nos desestabiliza, mas nos mostra o amor, ainda que doido.

Saudade traz alegria, choro, tristeza, loucura temporária, tudo junto e misturado. Traz também novos olhares sobre tudo que já vivemos e que nos fortalece, trazendo o aconchego dos entes queridos e a valorização das nossas raízes. Saudade é como um arqueólogo, que cava minuciosamente, a nossa alma. Ela nos remete ao passado, ao querer voltar no tempo que foi bom e prazeroso. Saudade é memória. A poetiza Adélia Prado escreveu: “aquilo que a memória ama, é eterno.” Eu acredito, a saudade provoca a volta ao que vivemos, ao fortalecimento dos nossos laços familiares, as fantasias da infância ampliadas e transfiguradas pela memória, tornando mais belo o vivido. Promove um diálogo com o passado e comprova que o amor aos nossos pais é exclamação eterna.

Há quase cinco anos, sinto uma saudade diferente. Antes era uma saudade despercebida. Eu não a levava tanto a sério. Hoje, o meu olhar ficou mais detalhista com o que vivi, aprendi, brindei e compartilhei e, estou aprendendo a não ter pressa, a meditar e a descobrir quem            eu sou. A saudade, às vezes, me é dolorida, outras, mais leve, com alegria e boas recordações. Mas, se a saudade se dá a este papel, ela também escancara que tudo que é belo, passa, que tudo que amamos, passa. É por isso, que ela é um estar em nós.

Em algumas datas comemorativas, a saudade bate mais forte em nós, e não é pelo apelo  comercial, mas, porque o que está sendo comemorado, nos é significativo, nos pertence de fato, pois é a nossa alma que sente. Eu sempre recordo uma casa, uma sala, uma cozinha, uma mulher, um homem e um punhado de filhos. A mulher pequena, de voz mansa, que comandava com muito amor os seus filhos. A mulher que lavava e passava as roupas da casa, cozinhava e costurava. Cozinhava com o tempero da dedicação e costurava com os pontos da união e conciliação. Ela tinha também o discurso do amor.

A saudade traz de volta a criança que mora em mim. Então, lembro das brincadeiras de rua: do pegador, da amarelinha, do rouba bandeira... E da voz: “Menina, sai da chuva, você tem bronquite.” Lembro da sua religiosidade e da alegria, quando, aos quatro anos, cantei na coroação de Maria. Lembro também da sua vaidade e dos cabelos quase brancos.

O certo, é que a saudade que, comigo anda, esta semana, grita e, enquanto, escrevo, vejo um corpo, um rosto sereno, uma aceno e, constato que, o que eu mais queria, era estar ao seu lado, segurando a sua mão. Então, acesso alguns portais e em todos há um bombardeio de anúncios lembrando o “Dia da Rainha do Lar.” Penso como seria uma propaganda lembrando a rainha do lar, falando da “saudade”. Uma propaganda bem criativa e peculiar como a própria palavra que só existe no português. Como seria criar um desejo, uma marca, ante a uma palavra tão emblemática para a memória, mas que fala das coisas do coração, do acumulado pelo tempo e das experiências com o “outro?” Como motivar em cima de um sentimento tão perene, num mundo tão imediatista, tão superficial, num tempo tão corrido, virtual e “liquido”, como escreveu Bauman?

Eu, particularmente, acho que saudade é de um tempo vagaroso. Se o cotidiano a banaliza, tirando-lhe o seu valor, ela resiste porque faz parte do “belo”, e não é só sentida pelos poetas e boêmios. É um sentimento universal. Ela pertence a todos e transcende a nossa alma, porque nos desafia a sermos pessoas melhores pela reflexão que promove, ou quem sabe, ser como a fênix. O personagem Riobaldo, sabiamente disse que a lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos: “uns com os outros acho que nem não se misturam.” É verdade, a nossa vida faz recortes pra trás, sem misturar os fatos e as pessoas. A ponte com o passado é inevitável. Nós precisamos estar no “agora”, mas as nossas referências estão lá no passado. Por isso, rimos, choramos, redescobrimos, enfrentamos os desafios e revivemos ao sabor do grito chamado saudade.

Por fim, o meu diálogo com a epígrafe acima, é verdadeira, pois, como Rubem Alves, a escrita é minha cúmplice. Hoje, eu escrevo para tranqüilizar a saudade. E, assim, por meio dela poder expressar a minha a eterna admiração por uma mulher, reafirmando, que ela, a minha mãe, é hoje uma estrela e luz crepuscular da minha vida. E, só por ela, por hora, me rendo à propaganda, dizendo: "mãe, eu te amo".

Este artigo eu dedico as mães dos meus colegas de profissão: Lucinéia Pacheco, Léo Oliveira, Milton Santos, Jouse Prata, João Vitor, Raiane Santos, Maria Alves, Gabriela Cardoso, Alexandre Cardoso, Marcos Lima, Gisele Corrêa, Gisele Santiago e Eric Lucas.

 

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