Foto: Pablo Bernardo
Moradora do bairro Pedra Branca, em Ribeirão das Neves, Tamara Franklin de 24 anos, é tratada como uma das grandes revelações da cena rap em Minas Gerais. Mulher negra e pobre da periferia, Tamara prepara seu primeiro álbum que traz inúmeras reflexões sobre o local onde vive e sobre a vida da artista.
Suas músicas trazem referências da música gospel, sambas de Adoniran Barbosa e Martinho da Vila, uma miscelânea musical que é o terreno fértil onde surgem as letras contundentes da jovem compositora.
O primeiro álbum da artista intitulado "Anônima", com dez faixas, passeia do blues ao raga, sendo muito esperado pela crítica musical mineira. A artista é destaque em vários tablóides de Belo Horizonte e foi destaque na Virada Cultural da capital esse ano. Tamara também desfilou suas rimas na Festa da Padroeira Nossa Senhora das Neves, em 2015, pra cerca de 5 mil pessoas.
Veja abaixo uma entrevista da cantora feita pelo Coletivo Semifusa:
Coletivo Semifusa: Tamara Franklin, você já tem uma estrada como artista, apesar de apenas 24 anos de idade, você cantou anteriormente com sua irmã Winy, no duo H2s2, depois com sua irmã mais nova como dupla. Qual a dimensão desse primeiro CD pra você e quais são suas expectativas em relação a ele?
Tamara Franklin: Este álbum foi planejado e construído na Xeque Mate produções por longos dois anos. A conclusão do mesmo representa a vitória de uma etapa pontuada com sucesso. No ponto de vista pessoal, a realização de um pedacinho dos meus sonhos. Minhas expectativas são de muito trabalho e abertura de muitas portas.
CS: Existe uma grande expectativa em relação ao seu álbum, principalmente por você ser uma rapper mulher e negra, ainda tem o fator de morar em Ribeirão das Neves, você acha que estão colocando uma responsabilidade muito grande em suas costas, ou que isso é uma responsabilidade boa que você está preparada para absorver?
Tamara: Não acredito ser um fardo. Eu procuro apresentar o máximo de mim mesma em meus trabalhos e graças a Deus, muitos estão se identificando. Não me sinto na responsabilidade de agradar, me sinto responsável por ser leal a minha conduta pessoal e transmitir verdadeiramente os meus protestos diversos. Sou livre, meu trabalho é livre, e Deus está sempre no comando de tudo.
CS: Suas músicas falam muito de empoderamento, discussões sobre feminismo, sobre ser negra e mulher. O papel do rap geralmente é contestador, essas lutas foram naturais na produção das letras?
Tamara: Como já disse, eu procuro cantar tudo o que eu vivo. Meu olhar crítico com relação aos fatos que vivemos sem sombra de dúvidas é essencial para a produção do meu trabalho.
CS: Falando de Ribeirão das Neves, qual sua relação com a cidade, mesmo morando em um bairro fronteiriço, geralmente quem mora nesses bairros, como Pedra Branca tem uma relação de pertencimento a cidade bem afastada?
Tamara: Eu moro com minha família no Pedra Branca desde que eu me entendo por gente, e essa relação de pertencimento a cidade bem afastada se inicia com o afastamento da própria cidade. Não havia, em toda minha infância, ônibus que nos levasse direto a Neves. Lembro que após muito tempo foi disponibilizado um ônibus que nos ligava ao bairro Santinho, passando pelo centro da cidade. A frota que assistia meu bairro pertencia a BH. Enfatizo ser moradora de Ribeirão das Neves para que a própria população consiga entender que a nossa cidade possui aspectos positivos. Neves não é só cadeia, tem músicos, tem cultura, tem História...E tudo isso é importante ser resgatado e ofertado a conhecimento da população para que haja identificação desta com a cidade. Ribeirão das Neves não é Ribeirão das Trevas.
CS: Você fez um show na Festa da Padroeira de Ribeirão das Neves esse ano pra cerca de 5 mil pessoas no Parque Ecológico, como foi?
Tamara: A sensação de cantar em minha casa foi única, pois tivemos a sensação de que o trabalho cultural oriundo de Neves está sendo identificado e reconhecido. Isto para nós tem não preço.
CS: Atualmente o rap tem se renovado bastante, muito em função da internet chegando até o mainstream com artistas como Emicida e Criolo. Você sonha alto assim? Até pela questão aqui já mencionada de representar às mulheres?
Tamara: Realmente eu represento as mulheres por ser mulher, questão óbvia, mas não gosto de titularizar meu trabalho. Quero representar qualquer um que se identifique com o meu trabalho e se sinta representado por ele. Eu quero muito que meu trabalho tenha a visibilidade como o trabalho dos meninos citados possuem, não creio que seja ambição demasiada pensar nisso. O segredo é trabalho pesado e isto estou disposta a fazer.
CS: Fala mais sobre o álbum, quando fica disponível e como as pessoas podem adquirir?
Tamara: O álbum "Anônima" está muito musical. Temos a influência da música original africana, inclusive participações de rapper's de Angola e Moçambique, samba, forró, e participações de rapper's consagrados de Minas Gerais. Foi construído com muito carinho na Xeque Mate produções. Por termos participações estrangeiras, o registro do álbum demorou além do previsto e ele ficará pronto no final de novembro; estará disponível, inicialmente, na loja Estilo de Rua (direção: Blits) no shopping UAI em frente a rodoviária de BH. O pré-lançamento acontecerá no dia 13/11 no espaço cultural Matriz (em frente à Praça Raul Soares), às 22h.