O trocadilho aqui não é por acaso. Tão pouco a caixa alta é relegada à monótona estética da escrita.
A frase quer remeter ao cuidado que se tem de relevante quando se pensa no controle. O vigiar! O panóptico de Bentham.
O vigiar também remete ao controle. Mas controlar a quem?
Controle por sua vez, remete à dominação de corpos. Mas os corpos de quem?
O controle é dos indesejáveis, os corpos também.
A provocação feita acima, com versos que parecem poesia desconexa, é parte do pequeno ensaio, como provocação para dizer sobre a prisão de Marlon Brendom Coelho Couto da Silva, ou, simplesmente MC POZE do RODO.
A prisão do artista se deu no dia 29 de maio de 2025, em virtude de um mandado de prisão cautelar temporária, pelo prazo de trinta dias, determinado em um Inquérito Policial deflagrado por investigação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, com decisão do Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Regional de Jacarepaguá/RJ.
Os fatos que envolveram a prisão, segundo a investigação, amplamente divulgada na mídia nacional, são Apologia ao Crime e Tráfico Ilícito de Drogas, regulados, respectivamente, pelos Artigos 287 do Código Penal e 33, da Lei 11.343/2006.
A prisão foi relaxada e substituída por medidas diversas da prisão, no dia 03 de junho de 2025, de acordo com a decisão do Desembargador Peterson Barroso Simão, relator do Habeas Corpus 2112027.2025.8.19.0000, ao argumento, em suma, que: “Importante registrar que a liberdade de expressão é direito fundamental que garante a todos a possibilidade de se expressar livremente em suas opiniões, ideias, informações e manifestações ariscais e culturais, sem censura.”
Pois bem, a soltura do artista não revoga e nem minimiza o ato e sua representação perante a sociedade.
A representação é justamente reflexo do racismo. Esse, não só estrutural, mas endêmico e racionalmente incutido no inconsciente popular de forma que, até mesmo parte significativa da população, formada por pardos e negros, foram favoráveis ao ato.
Mas é justificável! O inconsciente popular foi formado, conscientemente, no decorrer da história, para eliminação da cultura negra e tudo o que ela pode representar, principalmente quando o negro que representa sua cultura é um fiel e bem sucedido expoente dela.
Não por menos a prisão de MC POZE DO RODO ocorre no contexto de uma operação policial onde não se consegue justificar os motivos dela.
Inclusive, registra-se que na “coletiva de imprensa” realizada pelos representantes da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, tenteou-se justificar que a prisão teria se dado por “envolvimento” com a fação criminosa atuante naquela localidade, sem detalhar qual o envolvimento. É claro, o detalhamento não é feito pela impossibilidade factual de o fazer.
Tal impossibilidade factual se revela justamente pela falta de condições de se fazer conexão da arte propagada por MC POZE DO RODO e qualquer crime, à não ser a lógica perversa de se transverter liberdade de expressão com “Apologia ao Crime”.
A perversa logica revela a tentativa deliberada de eliminação da cultura negra e todos os seus expoentes, tal qual já foi feito quando da criminalização da capoeira, ou promulgação de uma lei que criminalizava a vadiagem, (sua carteira de trabalho está no bolso?) ou mesmo, recentemente, Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI, que defendia a inconstitucionalidade de legislação estadual que permitia o sacrifício de animais em rituais religiosos.
Todos esses exemplos, e não param por aí, são reflexos do constante e incessante massacre da população negra no Brasil, que não perpassa somente pelas execuções diárias perpetradas pelas polícias, mas pela eliminação do povo negro pela supressão de sua liberdade de expressão, garantida constitucionalmente.
É preciso atenção aos discursos maliciosos! Até quando se criminalizará a cultura negra? Até quando as manifestações religiosas serão suprimidas por ideias injustificáveis? Até quando serão mortas crianças de tenrra idade como Juan, Rafaelly, Maria Eduarda; Ester; Jhenyfer, Lohan, Yan, Dijalma e Thiago? Todos assassinados pela Polícia nas periferias do País, somente no ano de 2023.
Façam “POZE”, todos estamos sendo filmados! Nós pretos, pardos, pobres, moradores e oriundos das periferias brasileiras, negligenciados no mais básico que é o direito a educação, saúde, moradia, entretimento, dentre tantos outros e, ainda, mortos cultural e fisicamente pelas “elites” e seus “capitães do mato”, que ainda insistem em empregar violência contra o nosso Povo. O País é nosso e a expressão é livre, sem censura.
Ao fim e ao cabo, é importante lembrar do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema “liberdade de expressão”, previsto na Constituição de 1988, como Direito Fundamental, no Art. 5º, inciso IX, que garante a expressão sem censura prévia.

 

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[1] BENTHAM, Jeremy. O PANÓPICO. Organização e tradução de Tomaz Tadeu. Editora Autentica. 1ª Edição.
[2] ZAFFARONI, Raul Eugênio; SANTOS, Ilísio Dias dos. A NOVA CRÍTICA CRIMINOLÓGICA Criminologia em Tempos de Totalitarismo Financeiro, Ed. Tirant, 2020.
[3] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/05/29/mc-poze-do-rodo-diz-que-prisao-e-perseguicao-tem-indicio-mas-nao-tem-prova-diz-ao-ser-transferido.ghtml
[4] Coletiva de Imprensa realizada pela CNN, com representantes da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kLZdbwWgHf0, acessado no dia 05 de junho de 2025.
[5] BRASIL. Congresso Nacional. Código Penal e Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. As Leis citadas foram as que fundamentaram a investigação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, no caso comentado.
[6] Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça. Decisão proferida pelo Desembargador Peterson Barroso Simão, nos autos do Habeas Corpus de número 2112027.2025.8.19.0000. Disponível em: www.tjrj.gov.br, acessado em 05 de maio de 2025.
[7] ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural – São Paulo : Sueli Carneiro ; Editora Jandaíra, 2020
[8] SOUZA, Jessé. Como o Racismo Criou o Brasil. pg. 140. “No Brasil, a tese de Gobineau acerca da inferioridade natural de mestiços e negros, aceita por todos, sem exceção, até pelo mais radical entre os abolicionistas, como Joaquim Nabuco, foi temperada com uma pitada de esperança. Em vez de condenação à extinção e à morte da espécie, como assegurava Gobineau, desenvolveu-se a ideia do “branqueamento” como a lei social mais permanente do Brasil republicano. A ideia que animava todos os espíritos era a morte lenta do componente mestiço e negro pela extinção do tráfico negreiro, o desaparecimento progressivo dos índios e a migração europeia.”
[9] CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. DECRETO NÚMERO 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890. Capítulo XIII, Dos vadios e capoeiras. Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. Pena: de prisão celular por dois a seis meses. Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
[10] BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Estabelece no Artigo 59 que: Art. 59. Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses. (REVOGADO)

[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) 494601, no qual se discutia a validade da Lei estadual 12.131/2004. os votos foram proferidos no sentido de admitir o sacrifício de animais nos ritos religiosos e observou que as divergências dizem respeito ao ponto de vista técnico-formal, relacionado à interpretação conforme a Constituição da lei questionada. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=407159 . acessado em 05 de junho de 2025.
[12] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/09/29/veja-quem-sao-as-criancas-mortas-pela-violencia-no-rj-e-citadas-em-carta-de-caetano-veloso-ao-papa-francisco.ghtml
[13] SOUZA, Jesse. A ELITE DO ATRASO. Da Escravidão ao Bolsonarismo. Rio de Janeiro: Estação Brasil. 2019
[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgamento do RE 1.010.606, rel. min. Dias Toffoli, j. 11-2-2021, P, DJE de 20-5-2021, Tema 786, onde se estabeleceu, em suma, que: “A liberdade de expressão protege não apenas aquele que comunica, mas também a todos os que podem dele receber informações ou com ele partilhar os pensamentos”. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/LiberdadeExpressao_completo.pdf . Acessado em 05 de maio de 2025.
[15] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Artigo 5º, inciso IX. Acessado em 05 de maio de 2025.


“pode avisar nessa porra, que é nós que tá” (Desabafo 2, MC POZE DO RODO).