"O sistema quer isso, a molecada tem que aprender. Fim de semana no parque"
"Fessora, porque em um momento como esse de pandemia ainda perdem tempo falando de política?". Esse questionamento de uma aluna transparece o sentimento de parte da população brasileira que em meio ao pânico imposto pelo atual cenário questiona-se sobre a importância do debate político nesse momento. A forma pela qual os governos lidam com questões de saúde pública interfere sobremaneira no enfrentamento às problemáticas causadas por situações como a pandemia que enfrentamos.
Dessa forma, a pandemia do Novo Coronavírus, da pior forma possível, gera o debate sobre a importância do Estado como interventor social, e até mesmo demonstra como os liberais mais extremos estão equivocados, assim como todo o discurso de que o Estado não é necessário. No Brasil, somos um forte exemplo de que quando são eleitos governos fracos em termos de gestão, liderança e tecnicidade, as consequências das crises podem ser mais agravadas.
Em países em que se tem o Estado de bem-estar social mais arranjado, como Alemanha e Portugal, o controle sobre a pandemia mostrou-se com muito mais sucesso, assim como em países asiáticos como China, Japão, Taiwan e Coréia do Sul, que conseguiram reduzir abruptamente a contaminação nas últimas semanas. Indubitavelmente, os resultados nesses países estão relacionados a uma boa gestão política, investimentos consistentes em políticas públicas, a aplicação de políticas inovadoras, além de sua prontidão e resposta rápida à pandemia. Já os países que lideram um discurso de Estado Mínimo - onde o governo interfere pouco na sociedade, inclusive em áreas como saúde e educação, estes vêm sofrendo de maneira mais intensa as consequências dessa pandemia, vide o exemplo da Itália e dos Estados Unidos, que mesmo configurando o quadro de países mais ricos do mundo, não investiram na construção de um sistema de saúde público e gratuito para atender a sua população como um todo.
Para fugirmos de achismos e de discussões ideológicas, vamos a alguns dados interessantes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a média mundial de leitos hospitalares é de 3,6 por cada mil habitantes, sendo que dentre os países mais protegidos, destaca-se o Japão, com 13,05 leitos por mil habitantes e a Coréia do Sul com 12,27 leitos por mil habitantes, que mesmo estando do lado da China, o grande epicentro propagador do Coronavírus, apresentam menores números de mortes por essa doença. No outro extremo, temos países que mesmo possuindo condições econômicas confortáveis, não realizaram investimentos consideráveis em seus sistemas públicos de saúde como a Itália que tem 3,18, Estados Unidos com 2,77 e Reino Unido com 2,54 leitos por mil habitantes; situação que se torna ainda mais dramática em países pobres como Indonésia com 1,04 e Costa do Marfim, que contam com 1,13 leitos por mil habitantes.
No caso do Brasil a situação também é problemática, mesmo possuindo a ideia de um Sistema Público de Saúde, o SUS, pois devido aos cortes e o baixo investimento nesse setor nos últimos anos, estimulado pela influência de grupos particulares de hospitais e planos de saúde dentro do Congresso Nacional, além de uma perversa política de ajuste fiscal, tivemos na última década a diminuição de 12,6% do número de leitos hospitalares, caindo de 2,23 leitos por cada mil habitantes no ano de 2010, para 1,95 nos dias atuais.
Quanto aos dados sobre o número de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) no Brasil, dispomos de 2,6 leitos para cada dez mil habitantes, totalizando 55.000. Quadro que se mostra um pouco melhor, mas não menos preocupante, se comparado ao apresentado pela França com 1,05 e Inglaterra, que tem 0,6 leitos para cada dez mil habitantes, sendo que estamos nesse quesito, próximos ao número de leitos de UTI apresentado pela Alemanha, que dispõe de 3,02. Este último, não por acaso, se mostra como país europeu que têm melhor se comportado frente a crise do Coronavírus, inclusive fornecendo ajuda para pacientes da Itália, e agora tenta desesperadamente correr atrás do prejuízo de anos de políticas públicas irresponsáveis e de falta de investimento no setor de saúde pública.
O ponto em que queremos chegar é que devemos criticar e ir além da perspectiva biologicista que diz que o vírus vai chegar a todos, de forma igual e buscar um entendimento mais complexo da questão, pois trata-se de um problema extremamente político, já que podemos analisar como as consequências da pandemia são diferentes de acordo com a capacidade de gestão pública de cada país.
A pandemia do novo Coronavírus, reflete em escala gigantesca, situações de catástrofes ambientais como chuvas, terremotos e epidemias de menor escala, em que países que não se estruturam e nem adotam políticas preventivas, tem mais atingidos em sua população, como a dengue no Brasil, o terremoto no Haiti, e de outro lado, onde o Estado planeja e gerencia melhor tais adversidades, chega-se a diminuição de suas consequências, como a Coréia do Sul e o Japão, por exemplo.
Talvez, o Novo Coronavírus possa nos trazer lições sobre como a política influencia nossa vida cotidiana e tudo é sim, uma questão política.
*Artigo em colaboração com meu mestre, o sociólogo Marcos Antônio Silva.