Em meio às poças d'água que transbordaram com a abundância das chuvas e as raízes das árvores expostas como fraturas da cidade, como feridas profundas nas praças e avenidas, o nevense tenta se reconstruir aos poucos e se adaptar ao período pós-tempestade, algo jamais visto por estas bandas.
Cada um se ajeita como pode, uns tentam aproveitar ao máximo as telhas que sobraram das quedas, enquanto os donos de alguns depósitos aumentam os preços das novas, uns retiram as árvores quebradas de cima de seus muros e suas casas, outros pegam os pedaços para servir de lenha para fazer o almoço, uns precisam de ajuda, água, comida e roupas de cama, outros fazem vídeos e selfs para divulgar suas caridades.
Algumas pessoas precisam tirar as águas de dentro das suas casas e alguns políticos precisam que a águas estejam lá para se promoverem, pois não existe momento melhor para dizer que está ajudando os pobres do que na tragédia.
Esses são os paradoxos da periferia, cada um no seu "corre".
Assim as coisas vão se ajeitando, uns melhorando e outros piorando, essa é uma das injustas leis da sociedade contemporânea.
Há um tempo eu vi um filme e o diretor fez as seguintes perguntas:
Por que são sempre os pobres que sofrem com as tragédias? Por que nunca os ricos?
Nós não vemos as casas dos ricos inundadas pela enchente, nem eles sentados na laje esperando pelo resgate do helicóptero dos bombeiros. Claro que ninguém deveria se encontrar nessa situação e tão pouco desejamos isso para qualquer pessoa, mas confesso que não tive a resposta ainda e seria uma crueldade culpar a natureza, mas não deixa de ser intrigante, nem digna de ser esquecida.
Afinal, é mais um dezembro consecutivo de caos e mais um recomeço.
E a vida que segue.
Rodolfo Ataíde é músico, agente cultural e escritor. Formado em Marketing, foi secretário de Cultura de Ribeirão das Neves.