Estamos em janeiro, mês que deita suas raizes etimológicas no nome do deus grego Jano (ou Januarius, para os antigos romanos), divindade bifacial cujas faces simbolizavam, respectivamente, o tempo que passou e o tempo que começa; deus tutelar dos começos e patrono dos finais, que tinha a faculdade de olhar para trás e para frente ao mesmo tempo.
Mitologias à parte, o início do ano é oportunidade para refletirmos sobre o que fizemos no ano anterior e o que faremos nos próximos doze meses. É nessa ocasião que corremos o risco de ser esmagados pelas frustrações por termos feito ou deixado de fazer algo no ano anterior, ou, por outro lado, sermos assediados pela ansiedade que advém de possibilidades futuras. Tornamo-nos, assim, escravos do passado e do futuro, vagueando entre as frustrações e as ansiedades da vida. Ficamos tão divididos entre o que passou e o porvir, que não nos damos conta de que o mais valioso é o presente.
O filme Sociedade dos Poetas Mortos, cuja trama gira em torno dos conflitos entre o revolucionário estilo de ensinar de um professor e a direção de uma autoritária universidade norte-americana, ressuscita um antigo termo: Carpe Diem, algo parecido com “aproveite o dia”. A expressão foi criada pelo poeta romano Horácio, que alertava que, diante da fugacidade da vida, dever-se-ia desfrutar o momento, colher o dia como quem colhe um fruto maduro que poderia estar estragado caso viesse a ser colhido no dia seguinte. No entanto, o poeta também asseverava: “Est modus in rebus...”, ou seja, há uma medida, um limite, em todas as coisas. Em outras palavras, dever-se-ia aproveitar o momento mas sem incidir em excessos.
Segundo Horácio, a vida deveria transcorrer sem exageros, com responsabilidade, com planejamento, porém sem ansiedade, respeitando os próprios limites e os dos outros. Vale lembrar que dentre as causas do declínio do glorioso império romano estavam a corrupção política e a dissolução moral e espiritual de seus súditos, ou seja, Roma experienciou da forma mais nociva o Carpe Diem.
Vale lembrar também a canção Epitáfio, do grupo Titãs, cujos versos são um convite à reflexão sobre a vida no que tange às relações entre passado presente e futuro: “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer. Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr... Devia ter me importado menos com problemas pequenos...”. Se não quisermos que seja lido em nossa lápide um epitáfio semelhante ao dos versos citados acima, vivamos, mas de forma responsável, o presente.
Tempus fugit, carpe diem, pois o tempo foge como a ampulheta que esvai lentamente seus grãos de areia. Aproveitemos o dia pois a ampulheta da vida não pode ser virada, haja vista que só temos uma chance.
Assim sendo, que o passado não nos aborreça tanto e o entardecer seja um convite à novidade e não motivo de sofrimento e depressão.