Se a Grécia é o berço da democracia de viés ocidental, os recentes eventos econômicos e políticos decorrentes das decisões da Troika formada por União Européia, FMI e Banco Central Europeu ameaçam mergulhar o país num drama social jamais observado na história recente daquela nação, tornando-a túmulo do regime democrático.
As medidas que supostamente têm a intenção de “resgatar” a Grécia da crise econômica, na verdade fazem parte do que poderia ser qualificado como um projeto piloto cujo objetivo final seria salvaguardar os interesses dos financistas internacionais e transformar o pequeno país mediterrâneo num laboratório para radicais experimentos de cunho neoliberal.
No processo, não faltam eufemismos para acalmar os ânimos dos mais atingidos pelas medidas dos pacotes de maldades. Austeridade fiscal em prol de superávit primário, cortes de gastos públicos em troca do recebimento de empréstimos internacionais, diminuição de salários e aposentadorias para salvar a economia nacional da bancarrota, privatizações em favor de uma suposta superioridade técnica do setor privado, numa palavra, resguardar os interesses do grande capital em detrimento das necessidades de milhares de seres humanos, eis a lógica perversa que suplanta governos e calca as vidas de milhões de cidadãos.
Nesse ínterim, surge um Mitt Romney, possível adversário de Barack Obama nas próximas eleições presidenciais, afirmando que a Europa está em maus lençóis porque fez demais para ajudar os pobres e desafortunados. Romney é mais um dentre os vários arautos do fim do welfare state, cujo mantra é diminuir o tamanho do Estado e soltar as rédeas do mercado, este supostamente auto-regulador, como se realmente fosse possível falar de um Estado que paire acima dos antagonismos de classe e não esteja atrelado aos interesses de um determinado estrato social.
O financismo internacional legou à Grécia uma política econômica que agravará a questão social daquele país, atirando à pobreza amplos contingentes da classe média pauperizados pelo desemprego. A submissão do governo aos ditames dos organismos financeiros vai solapar o crescimento econômico, trazendo consigo a degeneração do tecido social da nação, tal qual experimentaram alguns países latino-americanos durante os anos 80 e 90 sob a égide do Consenso de Washington.
Um dos expoentes daquele processo foi a Argentina, que no início da década passada amargava os efeitos colaterais do neoliberalismo - entre 2001 e 2002, a moratória da dívida e o corralito não impediram que cinco presidentes passassem fugazmente pela Casa Rosada. Apenas o kirchnerismo foi capaz de desfazer as armadilhas econômicas que o neoliberalismo legara aos argentinos e inserir seu país numa nova era de crescimento.
Diante da tragédia grega, a que mais apelarão os cidadãos daquele país além das ocupações de espaços públicos, das greves gerais, das manifestações de rua e das mobilizações contra aumentos de tarifas para fazer valer seus direitos frente a sanha de especuladores e credores da dívida? Ao que parece, todos os caminhos alternativos estão sendo trilhados pelo povo grego. Sobrará a ele alguma saída pacífica antes do recurso à violência?
Se a mais nova receita neoliberal surtir o efeito desejado nas terras helênicas sem deixar sequelas que não possam ser mitigadas, não intentarão os organismos financeiros internacionais repetir em outras nações européias ou em escala global seus experimentos?
Quando um regime dito democrático não mais leva em conta os interesses da maioria, como falar em poder do povo ou do povo no poder? Deve-se ressaltar que, apesar da perda da soberania da Grécia para organismos financeiros internacionais, nenhum grego elegeu via sufrágio representantes do FMI, da União Européia ou do Banco Central Europeu, organismos que, apesar disto, ditam as regras político-econômicas do país. É esse tipo de democracia que o futuro reserva aos europeus?