“A praça! A praça é do povo, como o céu é do condor”. Muitos anos se passaram desde que o poeta baiano Castro Alves escreveu tais versos, e até hoje não foram poucas as praças ocupadas em nome da liberdade política, da justiça social, do sufrágio universal, de mais pão para as bocas famintas, de melhores condições de trabalho e de salários mais dignos para os trabalhadores. Na praça são lançadas as sementes de mudança. É o lugar onde se rega o jardim, onde florescem os sonhos e onde o povo resiste, insiste e convive.
O povo na praça remonta aos tempos em que das ágoras fluiam idéias, encaminhavam-se decisões e se deliberava sobre os rumos das pólis gregas. A ágora era o espaço democrático por excelência, a parte mais pública da cidade. Nas ágoras a democracia grega deu seus primeiros passos e serviu de modelo para o mundo ocidental.
Das muitas praças do mundo não somente sopraram os ventos da liberdade, como também ecoaram os gemidos dos que nelas foram martirizados. Era nas praças, por exemplo, que se praticavam os autos de fé destinados a purgar o catolicismo de seus elementos indesejáveis. Ainda hoje, as praças da Arábia Saudita são palco de execuções de criminosos e inimigos do regime.
“É o antro onde a liberdade cria águias em seu calor”, prosseguiu o Poeta dos Escravos no poema O Povo no Poder. As praças não são locais de descanso e contemplação apenas. Não se pode cindí-las de seu calor libertário ou de sua aura de luta. Para elas afluem os indignados, os revoltosos e os esperançosos em tempos de crise.
Nas praças a luta e a repressão se encontram. De uma antiga praça francesa às margens do Sena, a Place de Grève, provém a origem etimológica do vocábulo greve – ainda hoje o recurso mais eficiente aos trabalhadores no embate entre capital e trabalho. No século XVIII, operários franceses desocupados se aglomeravam à procura de emprego na Praça da Greve e, não raro, eram reprimidos pelas autoridades parisienses. Nesta mesma praça, em 1792, foi inaugurada a guilhotina como instrumento de execução de condenados.
Na atualidade, as praças ainda são palcos de luta. A Primavera Árabe deu seus primeiros passos no Egito, a partir da Praça Tahir, Cairo. Epicentro das mudanças no mundo árabe, Tahrir quer dizer “libertação”. Apesar da violência contra os manifestantes, o ditador Hosni Mubarak não conseguiu conter os protestos e teve que deixar o poder. Em seu lugar, assumiu um conselho composto por militares. Contra este conselho e em prol de mais abertura política os egípcios tornaram a ocupar a Praça Tahrir. Até o momento, a violenta repressão não logrou êxito em retirar os manifestantes da praça.
Na Espanha, milhares se concentraram em Madrid, na Praça do Sol. Eram os manifestantes do movimento 15-M, também conhecidos como Os Indignados. A indignação dos espanhóis era contra o modelo de democracia atual no contexto da crise de representatividade dos partidos políticos tradicionais de esquerda e de direita. A indignação espanhola se espalhou pela Europa e contaminou jovens franceses, ingleses, gregos, portugueses etc.
“Desgraçada a populaça / Só tem a rua de seu...”. Ocupar praças está na ordem do dia. Mais recentemente, e contra todas as expectativas, irrompeu nos Estados Unidos, centro nevrálgico do capitalismo mundial, o movimento Occupy Wall Street. Os auto-intitulados 99% se levantaram contra os ataques à democracia protagonizados pelas grandes corporações - ou seja, os 1% restantes - e contra a supremacia de Wall Street sobre o governo. Reunidos no Zuccotti Park, os manifestantes gritavam palavras de ordem contra o sistema financeiro simbolizado pelas grandes corporações e empunhavam faixas e cartazes com dizeres contrários ao neoliberalismo de viés financista. No calor dos acontecimentos, Zuccotti Park foi rebatizado de Praça da Liberdade pelos ativistas do Occupy Wall Street. Apesar de os manifestantes terem sido desalojados do local, o movimento se espalhou por vários outros estados norte-americanos e não mostra sinais de arrefecimento.
Na mesma proporção em que as praças vão sendo ocupadas pelo povo, as contra-revoluções iniciam suas marchas. Ao invés de fomentar o aumento da participação popular e fortalecer a democracia, como querem os ocupantes das praças mundo afora, o sistema responde com repressão e medidas austeras na esfera econômica e social, medidas estas que só favorecem o grande capital. As recentes experiências grega e italiana não deixam dúvidas de que a democracia européia dará seus últimos suspiros nos braços do sistema financeiro. A democracia é hoje condicionada e sequestrada pelos interesses do capital.
Diante do cenário atual em que a democracia subordina-se ao poderio do sistema financeiro, ocupar locais públicos e praças faz-se premente. Em prol de mais democracia, de mais povo, de mais direitos, urge resignificar a ocupação do mais importante dos espaços públicos: a praça.