Nas praças, ruas, calçadas e esquinas de Paris, Londres, Berlim, Madri… o cheiro do medo e da insegurança ecoa pelos cantos, alertando que, a qualquer momento, homens bombas, em nome da intolerância e do fanatismo, podem ceifar vidas de pessoas inocentes, Entretanto, a rotina dessas cidades não muda, pois as instituições e leis são confiáveis. E, mesmo ante a ousadia de terroristas, os cidadãos acreditam na segurança montada e na proteção do Estado.
No Brasil, o assombro sai do teatro que se transformou o cenário político, mas a peça é pobre e os atores de péssima qualidade. No palco, mentiras sinalizam sobre o falido Sistema que governa o país e, a cada ato encenado, os atores escancaram a insana e desenfreada corrupção, aliada a progressiva impunidade e injustiça. Além disso, na contramão dos desmandos e da roubalheira, a violência velada faz sangrar as filas dos hospitais, na comida que falta no prato de milhares e no desemprego que adoece a mente.
David Livingstone Smith, filósofo e escritor americano, afirma que os políticos são mentirosos profissionais, vendedores de ilusões e completa: “os políticos são mestres de manipular nossos medos, esperanças e de apresentar imagens falsas ou enganosas de si mesmos, do estado e do mundo que eles farão.” Segundo Smith, é impossível ser um político de sucesso sem ser mentiroso. Mas, a mentira e o descaramento de políticos brasileiros atingiram níveis inaceitáveis, ainda que se diga que a política nunca foi mesmo um território de santos e inocentes. Isso no mundo inteiro. Mas, no Brasil, ela provoca um estrago e estranhamento tão grande que chega a perversão. Vale lembrar que a sociedade está à mercê de uma violência urbana que cerceia o cotidiano do cidadão de bem, mostrando que o país está despedaçado, pois contabiliza mais de 60 mil homicídios ao ano e desampara 14 milhões de brasileiros desempregados. Além disso, a crescente violência contra a mulher e a homofobia que saiu com força do armário alertam que o Brasil não avançou em programas de atenção e de proteção à mulher e o desrespeito às diferenças de gêneros é chocante.
Porém, no momento, o que de fato, precisa acontecer é o surgimento da verdade e o comprimento da justiça, banindo de cena as elites políticas e empresariais corruptas, combatendo também o discurso da ilusão, reverter o quadro, limpar a sujeira e remover o entulho acumulado durante décadas. Os meios de comunicação mostram, analisam, exaustivamente, o descabimento, as incertezas, o estranhamento e, principalmente, a impunidade. O mau cheiro terrível que escapa dos porões e dos buracos da política em Brasília, é de deixar tonto o mais desavisado cidadão de bem, que assiste boquiaberto até onde corruptos e corruptores vão parar. Tal qual a forma as empresas se envolveram no esquema institucionalizado da corrupção que o único meio de sobrevivência é continuar no esquema.
Dessa forma, diante de tantas bandalheiras, fica difícil acreditar que o Brasil tem chance de sair da sua maior crise política, pois mantém no poder um presidente que não é legitimado e que não nos representa.
Como acreditar que o país vai recuperar a credibilidade, o crescimento econômico e a política como construção democrática da representatividade popular, se bandidos agem descaradamente em nome de grupos econômicos, fazendo as piores propostas, mostrando que o dinheiro flui mais para quem negocia não com bens, mas com favores? Que as delações explicitaram que, depois de distribuir as propinas, usam o Brasil sem nenhum escrúpulo do menor político até o presidente da República.
Como acreditar que o Judiciário seja uma garantia de respeito à ordem constitucional, se muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho e, que as Leis não nos protegem deles? Como esperar justiça de um Judiciário que usa a farsa e muitas vezes um faz de conta, afirmando legalidade a tantas e infindáveis acusações? Como acreditar que os partidos políticos sejam resultados de estudos e planejamento de ideias, de compromissos a programas inovadores e de promoção social, se hoje se configuram em um ajuntamento de aproveitadores, fraudadores, ladrões a espera da primeira propina, sempre ajustados ao interesse de quem paga mais? Por fim, como não acreditar que as instituições brasileiras estão falidas? Se o descrédito a elas é total, pois a corrupção é recompensada e a honestidade, não. Enquanto isso, o Brasil perpétua um atraso secular, o sofrimento e a pobreza que assola milhões de trabalhadores, que ainda podem ser punidos com o pesadelo da famigerada reforma trabalhista.
O certo, porém, é que a sociedade não pode se omitir. É preciso pressionar, ocupar as ruas, os espaços públicos, exercendo a cidadania, lembrando que o voto é a arma mais poderosa e legítima, ainda que muitos políticos eleitos pelo povo sejam para cargos municipais, estaduais ou federais, vivem sendo citados por práticas ilícitas na administração pública, incluindo a má gestão e a favorecimento de amigos e apadrinhamentos. O cidadão pode sim, mudar a situação, escolhendo melhor o seu candidato no momento do voto e depois fiscalizar seus representantes eleitos, cobrando seriedade, ética e trabalho honesto em prol do bem comum. Vale lembrar, entretanto, que não se pode culpar só os políticos. Há toda uma estrutura de governo, em todos os poderes, corrompida, apodrecida e deitada em privilégios absurdos e inaceitáveis, sendo impossível saber quais são os limites para participar do jogo. Contudo, as cortinas caíram explicitando o universo deteriorado, e, uma coisa é certa, com a Justiça Divina não se brinca, a cobrança aos culpados, em algum momento vem.
Vale dizer também que, para ter um país melhor, mais justo e igualitário, é preciso investimento real na educação, cultura e na arte, pois a arte humaniza e transforma o cidadão. Por hora, a música de Caetano Veloso, “Podres Poderes”, do final da década de 80, reflete a conjuntura do Brasil atual, a metáfora sobre a quadrilha que hoje comanda o país.
“Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais.”