A cantora Amy Winehouse, morta no dia 23 de julho, aos 27 anos, não foi apenas uma artista estupidamente talentosa ou ainda mais uma vítima das drogas. Ela também foi vítima de um ideal transgressor, que contestou a ordem vigente do mundo pós-moderno.
Segundo o escritor francês Gui Debord, o homem pós-moderno está à beira do desespero. Ele é um ser inserido num contexto problemático, entregando-se a duas vertentes: o prazer e o consumo.
E foi neste palco da pós-modernidade, onde as informações do dia a dia se explodem até a saturação, que nasceu Amy Winehouse. Numa sociedade que favoreceu o “hedonismo socializado” pela Mídia, que refaz o mundo à sua maneira, criando uma falsa imagem que algo invisível pode ser possível na televisão. Os valores foram trocados pelos ritmos cotidianos. A vida social é marcada por experimentos, mas também está associada à decadência das grandes ideias e valores. Porém, vívi-se a “sociedade espetáculo,” como afirmou Debord.
Por onde Amy passava, o tempo todo havia assédio dos paparazzi e as pessoas atiravam coisas, ofereciam-lhe bebidas como a imitá-la e a experimentar o prazer por meio dela. Dessa forma, ela manteve uma mistura de amor e ódio com o público. Amy, como Billie Holiday e Janis Joblin tinha uma elevada comunicação com o púbico com quem abria o coração, mas também tinha medo dele e mais ainda da banalidade da vida diária
Por isso, Amy assumiu viver conforme o ideal romântico, que caracterizou jovens poetas na segunda metade do século XIX. Em entrevista a revista ÉPOCA, a escritora americana Camillie Paglia, disse que Amy pertence a uma tradição de “grandes, mas autodestritivas” cantoras modernas, que buscaram inspiração em sua dor e em seus caos internos como Billie e Joblin. Do processo autodestritivo vivido, ela expremia um pessimismo doentio, uma descrença generalizada e empregnada de tristeza e desilusão. O ser marginal e rebelde, ela explorou ao máximo, guiando-se apenas pela emoção. Além disso, foi consumida por suas próprias ideias, entregando-se aos próprios fantasmas para não se submeter às regras sociais que regem as vidas das pessoas comuns. Com isso, travou uma luta contra a angústia de se tornar apenas mais “um.” Por livre-árbitrio, se entregou às drogas e ao álcool, que a entorpeciam em constantes fugas da realidade. E foi vivendo esse ideal de fuga e rebeldia que Amy encontrou a morte.
Mas, a morte de Amy Winehouse, trouxe de volta a pergunta: Seria a música capaz de induzir pessoas talentosas a ter um comportamento destrutivo? Segundo estudiosos no assunto, ainda não se tem resposta. O certo é que Billie, Hendrix, Joblin e Amy se entorpeceram de drogas e álcool, criando o mito de artistas autodestrutivo. Porém, o que se sabe de fato, é que o glamour que costuma cercar essas personagens, camufla a terrível realidade do convívio diário com as drogas e suas consequências e, que no mundo pós-moderno, é explorado pelo olho biônico da Mídia. O declínio, recheado por vexames públicos e tentativas frustadas de recuperação, foram mostradas exaustivamente pela internet, pela televisão, o público também acompanhava tudo com muito interesse, numa crua constatação que a Mídia decretou o fim do segredo e da intimidade.
Contudo, se a Mídia massacrou esse artistas expondo ao máximo a suas vidas, ela também os consagrou. No caso de Amy, público e Mídia sinalizaram que a sua voz marcou a 1ª década do século XXI.O timbre rouco que lembrava as grandes divas negras americanas, como Sarah Vanghan e Aretha Francklin, influenciou a música de seu tempo, de forma definitiva.
Para a critica musical, somente Billie Holiday cantava com tamanha intensidade. Além disso, ela reabilitou a arte vocal na música pop e no revival do gênero soul. O maravilhoso álbum Back to back vendeu 10 milhões de cópias. Por isso, o seu legado musical é maior que o seu personagem transgressor, de olhar melâncolico e perdido dela mesma.
O certo porém, é que, embora Amy tenha preferido cantar e viver o passado, virando pelo avesso a peculiar inovação, o visual exôtico de mistura diversifica, criou um ícone de estilo. Como esquecer o seu cabelo inspirado nas divas dos anos 1950/60, o delineador marcante e as roupas modernas? Como lembrou Camillie Paglia, Amy representou a queda do herói romântico, mas o final trágico do transgressor faz parte, sem dúvida, do espetáculo, da pós-modernidade.