Coube a mim, nesta quadra da minha vida, estar à frente da condução de um município paupérrimo onde coabitam cerca de quatrocentas mil pessoas.
Ser prefeito de Neves envolve algumas responsabilidades extras que a maioria dos prefeitos do rico Sudeste brasileiro sequer imaginam.
Minha cidade, colada à metrópole charmosa que é Belo Horizonte, nasceu da necessidade que a capital mineira tinha de varrer seu lixo para debaixo do tapete.
Pouco mais de sessenta anos atrás, quando Neves sequer era cidade, aqui foi implantada a primeira experiência sociológica de manter os apenados à distância.
Inaugurou-se uma penitenciária agrícola e, com os anos, a função de agrícola foi descartada, restando apenas a outra parte da ideia, que é o distanciamento dos presos. Hoje temos sete presídios com cerca de 10,5 mil criminosos cumprindo suas penas.
Na “cara dura”, a charmosa Capital também escolheu essas terras para depositar o que era inservível em seu perímetro. Aqui foram inaugurados lixões e depósitos irregulares de restos de construção, entulhos, restos de árvores, pneus e outras coisas.
Para dar um último retoque na crueldade social aqui cometida, Neves foi ainda privada de ser dona de suas próprias terras. É um município onde as glebas maiores estão todas nas mãos do Estado através de suas companhias de habitação ou de desenvolvimento.
Ser prefeito de Neves significa administrar invasões irregulares de humildes casebres, ruas tortuosas e um ajuntamento de pessoas cuja maioria está alguns palmos abaixo da linha da pobreza.
Claro que eu sabia de tudo isso antes de disputar o cargo atual. Estamos lutando – unhas e dentes – para resgatar alguns desses problemas, para “consertar” um pouco nossas estruturas urbanas e amenizar a tragédia social que é Ribeirão das Neves. Porém, como disse antes, nesta quadra do tempo, chegou à pandemia e essa reclusão compulsória que chamam de quarentena.
Na bonita Savassi, o isolamento com certeza é praticado até com um misto de alegria. Uma situação inusitada que veio quebrar a rotina diária. Uma quarentena de redes sociais em ebulição; comida por delivery; quarentena no sofá com TV a cabo de quinhentos canais...
Aqui, onde a vida não é tão fácil, a população mais pobre não pode se dar a esses luxos. É impraticável, para além disso, é desumano.
Por isso, no dia de hoje, 22 de abril, está entrando em vigor o decreto que assinei liberando a maioria das atividades comerciais de Neves. Claro que estamos cobrando severamente o distanciamento entre as pessoas, as práticas de assepsia pessoal e a utilização obrigatória de máscaras.
Porém, aos que tanto criticam nossa decisão, deixo o convite para que venham fazer quarentena em Ribeirão das Neves, com a média salarial dos nevenses. E que o tempo julgue as atitudes e reações de cada um, neste momento tão crucial que o planeta inteiro experimenta.