Como já dizia um antigo professor em Gestalt Terapia na época de minha graduação em Psicologia: Saudade é gestalt interrompida. A falta de alguém que nos é caro causa buracos em nossa existência nos colocando diante da dor inexorável do inacabado. A saudade nos revela que existe algo deixado pela presença que apenas a ausência é capaz de reconhecer.
Mas o que será que perdemos quando nos separamos do outro? Questiona a psicóloga Paula Mantovan. Acredito que perdemos uma parte de nós mesmos, uma vez que é no contato com o outro que circula o oxigênio da vida, não é em vão que dizemos que este outro é o espelho que nos permite enxergar que existe vida pulsando em nós, o olhar do outro é a lente que nos possibilita ver quem somos. Este outro que se apresenta em todos os momentos como nossa salvação e a nossa perdição, salvação ao nos possibilitar a ilusão de completude nos “salvando” de nossa solidão, perdição ao nos revelar que toda presença é estilhaçada por meio da convicção que não importa quantas presenças existam em nossa vida, estamos sós diante de nossa experiência.
Saudade, palavra carregada de significado simbólico, que evidencia uma ruptura completa, ou pela via da vida (quem nunca perdeu alguém que esta vivo? Um amor, um amigo, etc.) ou pela via da morte. Então, a única alternativa que resta para aquele que ficou é sustentar essa falta, ainda que a dor seja visceral.
No entanto, ainda que a ausência seja devastadora, este outro que se foi, trouxe grande benefício para aquele que permaneceu, benefício este de levá-lo ao lugar de sujeito desejante. Mas de que forma isso acontece? Sabemos que sem desejo não existe vida, afinal os mortos nada podem desejar, uma vez que são a própria presentificação da inércia, do acabado. Desejo é coisa de gente viva, e bem viva.
O que caracteriza a vida é o desejo e este só existe mediante a falta, ou alguém já desejou aquilo que possui? Certamente, não. O desejo é a marca de que algo nos falta. Talvez seja este mesmo o nosso ganho ao sentir saudade, marcar o nosso lugar diante da vida, pois vida é desejo, desejo é a falta e falta é saudade. Ah, essa tal saudade!
Diante da saudade acolhemos os fragmentos de nossa história. Seria então a saudade os restos do que foi vivido, as cinzas de uma história impossíveis de serem sepultadas, ruínas de algo no qual investimos grande parte de nossa libido? Sim, a saudade é a constatação de que o nosso quebra-cabeça está incompleto, mas mesmo assim deverá ser montado. Sem dúvida é o confronto real com o desamparo de nossa condição humana. A vida exige que saibamos lidar com nossos buracos, e isso requer certa cota de angustia, entenda o leitor como melhor lhe parecer.
Mas afinal, qual é a saída? Transformar a dimensão trágica da ausência por meio da construção de novas possibilidades de presenças, fazendo investimentos psíquicos que nos retiram do local de inércia e nos fazem movimentar diante da vida, afinal estamos sós diante de nosso desejo. Isso sim é desamparo, isso sim é saudade!