O antropólogo Roberto Da Matta em seu livro "Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro", revela precisamente os principais traços que determinam nossa característica. Já começamos nossa reflexão sinalizando para algo escondido por detrás dos discursos.
Primeiramente, presto minha solidariedade à adolescente carioca e sua família.
Lamentável, porém comum. De alguma forma, dessa vez foi jogado luz sobre o fato. Só não sabemos se vamos fazer dele um exemplo para a tão sonhada mudança social vislumbrada em forma de reforma política.
Para tratar desse tema temos que distanciarmos ao máximo da hipocrisia. Alguém duvida que no Brasil há o predomínio de uma CULTURA de valorização do marginal e de tudo que a ele está ligado?
Encontramo-nos onde pessoas se tornam famosas e ganham muito dinheiro por produzirem vídeos e músicas de conteúdo extremamente machista e com viés de banalização da moralidade (sem falar que em muitas vezes se valoriza a criminalidade). Aqui, nos deparamos com uma controvérsia bastante emblemática. As mesmas redes sociais que auxiliam e muito na alavancagem do sucesso de uma dita "produção artística", agora afirmam que o crime de estupro, no Brasil, é tido como "cultura". Estupro é crime! Está tipificado no código penal brasileiro. Não é cultura. Se de alguma forma, alguns o enxergam de tal maneira, é porque está muito errada a forma como estamos estruturando nossa sociedade e como nossas instituições públicas estão se comportando diante das demandas sociais.
O que de fato é cultura no Brasil?
Vivemos onde pessoas acham plenamente normal o lazer embalado com trilha sonora de músicas que não contribuem em nada para o desenvolvimento de condutas morais saudáveis no aspecto individual e coletivo. Partimos das micro-relações para conseguir mapear os grandes e trágicos acontecimentos.
As pessoas que estão vinculando cultura com um caso típico de crime conseguem entender o que é um baile funk? Se sim, acho que o discurso é muito mais inclinado para a popularidade pessoal nas redes sociais do que para a solução efetiva dos nossos dilemas.
Nossos dilemas sociais estão todos de alguma forma entrelaçados. Cada um no seu campo de atuação, mas todos partem de princípios morais muito semelhantes. É o mesmo caso de uma nação "democrática" que não conseguiu visualizar as mazelas do governo petista, mas que, quando se depararam com a sujeira governamental entrando por suas casas, mitigando a qualidade de vida, passaram a denegrir a imagem da presidente.
Talvez, os mesmos que caracterizam o crime de estupro como sendo "cultura", são aqueles que se colocam dispostos a fazer chacota de um governante eleito só porque o bolso sentiu o peso da irresponsabilidade cívica.
Outra questão bastante polêmica, está no ato de se atribuir por total o peso de problemas sociais ao então "machismo". Que me desculpem as feministas com problema de histeria, mas sou daqueles que acredita no antigo ditado que diz, "Enquanto houver cavalo, São Jorge não andará a pé".
É preciso deixar o discurso apaixonado guardado em casa para poder discernir entre o que é postura de macho e o que é conduta inclinada à atividades marginais e tipicamente criminosas. Uma coisa não tem nada com a outra. Os animais não entram em extinção porque as fêmeas não concordam com a postura de macho dos machos, e nem porque os machos não concordam com a postura de fêmea das fêmeas. Todos se acertam com suas diferenças de gênero e vivem felizes até caírem nas mãos dos seres humanos.
Toda vez que uma mulher da um "simples" like em uma música ou um vídeo cujo conteúdo banaliza a figura feminina, ela está contribuindo para uma legítima CULTURA machista e delinquente. O engraçado é que a maioria vai dizer que não tem nada a ver, que é só diversão. Será que alguém faz ideia de quantas jovens são rotineiramente estupradas em bailes funk espalhados por todo o Brasil?
De que tipo de cultura estamos falando?
Seria daquela que reforça a cada dia nossa medíocre característica de nação cujos valores morais se mostram frágeis e incoerentes? E que não se sabe ao certo diferenciar cultura de atividades cuja finalidade é validar posturas que camuflam o marginal e, dão a ele a legitimidade necessária para viver livremente no nosso meio fazendo do espaço coletivo sua casa.
Sinto muito, mas não vamos melhorar o Brasil partindo de discursos dissimulados, apaixonados e sem fundamento. É preciso combater na fonte. É necessário deixar o orgulho de lado e aceitar que somos e muito responsáveis por tudo que acontece no âmbito coletivo.