Dias antes do atentado terrorista ao Jornal Francês Charlie Hebdo, cheguei a falar nas redes sociais sobre a crise que estamos vivendo no patamar da liberdade de expressão. Como venho dialogando já há certo tempo, sem sombra de dúvida estamos vivendo na era do ressentimento global, ou como queiram, o "coitadismo" (expressão um dia pronunciada pelo apresentador e jornalista Marcelo Tas).
Vou além, não só estamos sob a mira do "coitadismo" generalizado, como pior, estamos sendo tolhidos com essa desculpa. Em outras palavras, "você me desagrada e por consequência eu acabo com você". O Filósofo Luis Felipe Pondé tem opiniões muito pontuais acerca das reações que brotam da sociedade. Para ele, "somos uma civilização de mimados que não é capaz de escutar nenhuma crítica sem achar que é uma questão de ofensa pessoal".
Um fato pessoal para ilustrar:
Há cerca de um ano e meio, vivi algumas semanas de conflito com uma construtora. Recebi meu apartamento em desacordo com o descrito no memorial (documento que aponta todas as características do imóvel), devido a isto, não recebi o imóvel e solicitei revisão (isto é um direito do consumidor). Após o prazo da revisão, o imóvel continuou apresentando vícios construtivos. Novamente não recebi. Certo dia dirigir-me até o local e fui muito maltratado pelas pessoas que estavam lá para resolver os impasses. Frente a isso, juntamente com alguns proprietários também reclamantes dos mesmos vícios, acionamos a Polícia Militar para registrar um Boletim de Ocorrências e também ligamos para uma emissora de TV visando dar publicidade ao descaso.
Após todo estardalhaço, reportagem gravada, etc. fomos atendidos de forma mais adequada e nossos imóveis entregues em conformidade ou com menos problemas. Porém, no dia da reportagem, quando tudo terminou, ao me dirigir até meu veículo que estava estacionado na rua do prédio, tive o desgosto de encontrá-lo com um arranhão que percorreu a lataria de ponta a ponta.
O que isso tudo revela?
Não posso apontar a autoria do feito, mas podemos pensar que existem grupos que se julgam "dominantes", e por isso, se dão ao direito de ditar as regras, se sobrepondo a qualquer lei, e ainda munidos de um "poder punitivo", capaz de castigar quem não se faz submisso. Aqui me refiro às "atitudes bobas". O carro a gente conserta, compra outro, etc. Mas não deixa de ser desagradável e um ataque à propriedade privada.
Estaríamos regredindo à era dos senhores feudais? Ou talvez dela nunca saímos totalmente.
Não tem como falar de abuso contra a liberdade de expressão sem citar o serviço público. Os servidores mais sensatos e sensitivos às relações interpessoais com certeza já experimentaram algum dissabor quando o assunto está no patamar dos jogos de poder envolvendo as pessoas que normalmente ocupam cargos de chefia.
A todo o tempo, "reis" (em geral o pessoal dos cargos comissionados) precisam ser atendidos nos seus caprichos que erroneamente e propositalmente dão o nome de Poder Discricionário, e quem não concorda sofre veladas punições. É preciso muito "jogo de cintura" para trabalhar com dignidade sem ser capturado pelos "olhos do rei".
Sobre os atentados terroristas, não é diferente na essência. O que muda são os "modus operandi". Trata-se de grupos muito mais bem organizados, fortemente armados, seguidores de um regimento (seja religioso, governamental, político, ideológico e outros), e ao mesmo tempo possuidores de uma multidão cega de seguidores muitas vezes movida pela fé manipulada pelas mãos/vozes humanas.
Por que a essência é a mesma?
Porque tudo parte da vontade, das necessidades humanas cuja ganância pelo poder, a vaidade e o orgulho costumam ocupar destaque na personalidade. No fundo, mas não tão fundo assim, trata-se do ser humano (não estamos falando de alienígenas), humanos estes que seguem aquele ditadozinho batido de que “os fins justificam os meios”. Se avaliarmos o panorama do seqüestro velado à liberdade de expressão e os atentados terroristas, podemos, metaforicamente, falar que se trata de irmãos gêmeos ressentidos.
Frente às causas coletivas, o humorista e apresentador Rafael Bastos, disse recentemente que o mundo está virando um lugar de "bundões". Acredito nele. Acredito porque assim como Albert Einstein, penso que "o mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade".
O conformismo, a falta de fé, a falsa ilusão de que tudo fica lindo sempre que compramos um carro novo, um telefone celular de última geração, ou arrumamos um novo amor, proporcionam uma onda de prazer deixando o homem de bem entorpecido para que o homem perverso faça da sociedade o que bem quer, seja bom ou, na maioria das vezes, bom para eles, ruim para a humanidade.
Será que vai dar para usar o carro novo e curtir os ostensivos Iphones e Smartphones em um mundo dominado por terroristas aqui e acolá? Seu novo amor pode também ser um desses terroristas. Vai saber... Tome cuidado para não dormir com o inimigo. As armas dos terroristas nem sempre são "armas de fogo" e estes também não estão localizados somente no oriente médio. Uma simples caneta na mão de um tomador de decisões estrategicamente posicionado na sociedade pode provocar um atentado terrorista de grandes proporções.
O ressentimento nas palavras de Luiz Felipe Pondé:
"É você achar que todos deviam te amar mais do que amam, você achar que todo mundo deveria reconhecer valores que você não tem. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, costumava dizer que nós estamos sonhando com um sol que se preocupe com o que a gente sente. Nietzsche dizia que, no final das contas, quando a gente descobre que o sol não tá nem aí pra nós, que as estrelas não brilham pra nós, que o mar não existe para que a gente se banhe nele, nós entramos num estado de desespero, onde ele claramente chamava de ressentimento".