Todas as nossas relações são baseadas no desejo de completude, de sermos inteiros, não é em vão que as pessoas dizem procurar por sua metade, evidenciando a ilusão que aquela relação poderá suprir sua falta, sua carência, a sede de afeto e amor que as envolvem. Assim o individuo busca se completar no outro, crendo que este possui algo que ele não tem, podendo suprir, assim, sua necessidade. Desta forma o que o leva a encontro ao outro não são os atributos que este possui, mas sim aquilo que ele não possui e por isso deseja. Segundo Lacan, "O amor é o desejo impossível de ser um, quando há dois...".
Quem nunca ouviu a frase “os opostos se atraem”? Na verdade, a questão central não é que somos atraídos por aquilo que se opõe a nós, e sim por aquilo que falta em nós e conseguimos ver no outro, quer seja pelo fenômeno de idealização ligado a nossa fantasia, quer seja por aspectos reais.
No entanto, o grande problema que acomete as relações, sobretudo, amorosas, é a incompreensão de que o ser humano é faltoso, e toda falta nos coloca diante de uma necessidade que precisa ser suprida, e é neste ponto que as relações ficam ameaçadas e vulneráveis. Somos cheios de “tanquinhos”, tanque da necessidade de sermos amados, tanque da realização profissional, da vida pessoal, da aceitação social e muitos outros tanques, todavia, o fato de um tanque estar cheio não significa que ele preenche os outros.
Ouvimos inúmeras vezes pessoas infelizes em alguma área de sua vida, sofrendo a falta de algo, enquanto em todas as demais esferas de vida estão “completas”, no entanto, o fato dos outros “tanques” estarem cheios não ameniza a questão de que em algum local algo está faltando. Sendo assim, não adianta o indivíduo ter uma conta bancária cheia, um corpo escultural, uma família perfeita, ser realizado profissionalmente, se o “tanque” do que abastece o relacionamento afetivo com o parceiro está vazio ou pela metade, por exemplo. Isso ocorre porque o vazio só pode ser preenchido por aquilo que o causa, o vazio do amor só pode ser preenchido por amor, da fome só pode ser preenchido por comida.
Inúmeros casais vivem frustrados em suas relações, pois no início existia uma disposição total em suprir a necessidade de afeto do outro, as juras de amor eram constantes, os presentes inesperados eram corriqueiros, os beijos apaixonados, as demonstrações de entrega, ou seja, existia o mecanismo do feedback dentro da relação, os parceiros eram constantemente realimentados, não existindo espaço para a “fome”, fazendo com que o “tanque” ficasse sempre cheio. Mas com o passar do tempo, por motivos diversos, tais eventos sofrem uma queda brusca, fazendo emergir a falta, e colocando o parceiro diante de uma necessidade, e como toda necessidade clama por satisfação a relação passa a ser insuficiente, dando margem para que os parceiros busquem suprir sua necessidade de outras formas, em outros lugares, com outras pessoas. É justamente aí que mora o perigo da traição!
Não são raras as vezes que ouço nos atendimentos psicológicos as pessoas se queixarem por terem sido abandonadas pelos parceiros e estes tê-las trocado por pessoas não tão bonitas, inteligentes ou atraentes quanto elas. Qual a possível explicação para tal fato? O buraco vivenciado na relação, deixando espaço para a “fome”, para a necessidade de ter suprida a falta. Realmente, os casais precisam considerar a ideia de que na presença da fome qualquer migalha vira banquete, então se a mulher está com fome de atenção, e o marido não supre sua necessidade, um simples elogio de um colega de trabalho pode ser uma forma de alimentá-la e o resto da história já sabemos bem.
Então, se a completude é um desejo impossível, as relações estão fadadas ao fracasso e a traição? Creio que não. As relações sempre serão dramáticas neste sentido, no entanto, podemos melhorar a forma como nos comportamos com o outro, através do desenvolvimento de nossos mecanismos de feedback, o retorno que damos ao parceiro em relação àquilo que lhe é necessário. Isso é possível por meio do autoconhecimento e do conhecimento do outro, desta forma iremos ter uma facilidade maior em saber o que queremos e esperamos daquela relação e também podemos identificar aquilo que o outro espera de nós, dessa forma podemos dar ao outro o “alimento” mais próximo possível de sua fome, ainda que não seja exatamente aquilo que ele deseja comer.