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redes sociais

  • Você sabe como ficar rico?


    As redes sociais tornaram-se palco para a disseminação de fórmulas aparentemente mágicas que prometem transformar qualquer pessoa em um milionário. Influenciadores digitais e coaches financeiros, muitos provenientes da classe média e com elevado nível de escolaridade, defendem que investir em educação formal é coisa do passado, enquanto criar conteúdo na internet ou comprar cursos formulados por eles ensinando a "investir" é o caminho para o sucesso. Contudo, uma análise mais profunda revela que a realidade é bem diferente, especialmente no Brasil, onde a desigualdade social é uma característica marcante.


    Nesse contexto, é comum depararmos com histórias de sucesso de indivíduos que, supostamente, atingiram o primeiro milhão a partir do zero. O problema reside na discrepância entre a promessa e a realidade. Dados da PNAD Contínua, referentes a 2019, mostram que 90% da população brasileira possuía renda inferior a R$ 3.500. Para integrar o grupo dos 5% mais ricos, era necessário ter uma renda mensal de R$ 10.313,00, enquanto apenas 1% da população ultrapassava os R$ 28.659. Ou seja, apenas 900 mil pessoas em um universo de mais de 200 milhões de brasileiros faziam parte desse seleto grupo.


    Cabe ressaltar que mesmo dentro desse último grupo existe muita desigualdade, pois não se pode comparar o padrão de vida de uma pessoa que ganha 24 mil reais ao seleto grupo dos mega ricos que compõe o 0,001% da sociedade, possuindo rendimento mensal de mais de 200 mil reais, geralmente oriundos do agronegócio ou do mercado financeiro. Isso nos leva a concluir que no Brasil, mesmo sendo um excelente salário, 24 mil reais não possibilitam desfrutar, por exemplo, de um jatinho particular ou iate, como é prometido pelos gurus da pseudo-educação financeira. Isso remete ao caso do juiz mineiro que expressou insatisfação ao receber um mísero montante de 24 mil reais. Apesar de tal declaração parecer absurda, em um país onde a média de renda da população equivale a dois salários-mínimos, em uma conversa com meu pai, que é porteiro em edifícios sofisticados, semelhantes aos em que o mencionado juiz reside, pude compreender em parte sua insatisfação. Pois apenas a taxa condominial do lugar onde ele mora é de 5 mil reais, enquanto seu salário é de apenas 24 mil reais. Além disso, para que o juiz não passe por constrangimentos, seu carro deve ser no mínimo um Jaguar, avaliado em 400 mil reais, e ainda assim, ele recebe apenas 24 mil reais. Não obstante, considerando que viajar para a Europa duas vezes por ano está bastante caro, o juiz, ganhando apenas 24 mil reais, enfrenta dificuldades. Em suma, dependendo do círculo social em que esse juiz está inserido, é possível que ele se perceba como uma pessoa em situação precária.


    Voltando ao caso dos influenciadores e coach financeiros, as abordagens utilizadas por eles que romantizam o sucesso financeiro têm como consequência a invisibilização da extrema desigualdade social no Brasil. Ao venderem a falsa ilusão de que todos podem ser milionários, apenas replicando as fórmulas mágicas dos ricos, os mais desfavorecidos acabam por santificar uma classe que, em grande parte, é composta por herdeiros de grandes fortunas transmitidas ao longo de gerações - e antes que você me acuse de recalcado, isso não é uma opinião, mas sim um dado do Fórum Mundial Econômico que classificou o Brasil como um país com uma das menores taxas de mobilidade social do mundo (acesse o link: https://exame.com/economia/brasil-e-um-dos-paises-com-menor-mobilidade-social-em-ranking-global/). Essa ilusão perpetua a ideia de que todos têm as mesmas oportunidades, quando, na verdade, as barreiras sociais são substanciais. Ainda estimulam as pessoas mais pobres a não exigir, e até mesmo a demonizar políticas públicas voltadas para a distribuição de renda e diminuição da pobreza, replicando a falácia ideológica de que essas serão financiadas por impostos cobrados dos ricos que batalharam para ganhar seu dinheiro. E aí vem o governo com suas ideias comunistas de tirar de quem “trabalha” para ajudar “vagabundo”. Esses, com certeza, ignoram o fato de que, pelo atual regime tributário, são os pobres que mais pagam impostos nesse país, ou seja, eles estão só recebendo de volta um pouco do que contribuem ao comprar produtos e acessar serviços com altíssimas taxas, que só são altas porque não temos um regime de impostos que tributam renda de maneira progressiva, dividendos e herança, como é feito no resto do mundo. Tudo isso só para privilegiar os mais ricos. É a clássica metáfora da galinha que pede ao lobo para vigiar o galinheiro.
    Outra consequência é que a incessante busca por metas culturais, principalmente as relacionadas à aquisição de bens materiais de alto luxo, impõe uma pressão desmedida sobre as juventudes. A cultura do "ter" sobrepuja o "ser", levando muitos a estabelecerem padrões inatingíveis como referência para a felicidade. Esses passam a admirar pessoas pelo simples fato de serem ricas e por sua vida de ostentação, o que tem consequências evidentes em sua saúde mental, pois, mesmo sendo uma geração que possui mais acesso à educação, saúde e bens materiais, como itens de tecnologia e vestuários, do que gerações anteriores, inclusive entre os pobres, se sentem muito mais miseráveis que seus pais e avós. Provavelmente, por um efeito semelhante ao que passou o juiz descrito acima. Esse comportamento deve ser entendido como consequência de um mercado publicitário diluído nas redes sociais que entendeu que pessoas deprimidas consomem. Assim, buscam, entre um vídeo e outro, usando técnicas que influenciam o subconsciente, impor valores inatingíveis como metas que todos conseguem menos você.


    Em última análise, o debate aqui não é meramente moralista, mas sim uma reflexão sobre como abordagens simplistas encobrem a complexidade da desigualdade social no Brasil. Desmistificar o sonho milionário é essencial para compreendermos as raízes dos desafios socioeconômicos que permeiam a sociedade e buscar soluções mais equitativas para construir um futuro mais justo e sustentável, pois se todo mundo passar a consumir igual à elite norte-americana, teremos que descobrir mais quatro planetas semelhantes à Terra para suprir essa sanha por consumo, e mesmo assim, teremos uma população descontente e deprimida.

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