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No Brasil, é possível e necessário discutir a religião?

Na condição de educador, é minha responsabilidade abordar temas delicados e que frequentemente geram paixões e animosidades. Entre esses temas, a questão religiosa se destaca, muitas vezes ignorada devido a uma convenção expressa no ditado popular: “Futebol, política e religião não se discutem." Essa máxima é repetida como um mantra por diferentes atores, tanto dentro quanto fora do ambiente escolar. Ao adotar essa postura, esses atores estão indo contra as orientações presentes em nossos currículos, que, em sua essência, promovem a criação de processos pedagógicos que estimulem o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, de gênero, cultural e religiosa.
Na sala de aula, uma conclusão à qual estudantes e eu chegamos sobre essa afirmação é que, no Brasil - um país de rica diversidade cultural, onde o futebol desempenha um papel fundamental na coesão social, a religião faz parte do cotidiano das famílias e a política é uma parte essencial da formação de todos nós como seres humanos e membros da sociedade - se não discutirmos política, religião e futebol, sobre o que falaremos? De alguma forma, todos os aspectos de nossas vidas cotidianas estão relacionados a uma dessas dimensões.
Do ponto de vista sociológico, essa afirmação está alinhada com o que Sérgio Buarque de Holanda classificou como "homus cordialis" e reflete a tendência da sociedade brasileira de evitar debates respeitosos sobre questões complexas. Em outras palavras, sugere que os brasileiros são pouco preparados para o diálogo e preferem evitar tópicos que possam acirrar os ânimos e levar à violência. Como resultado, essas discussões são empurradas para espaços informais, onde são frequentemente conduzidas de maneira acusatória, promovendo a intolerância e a desumanização do outro, resultando em bolhas de extremismo e polarização. Além disso, essa afirmação demonstra a relutância da sociedade em reconhecer e valorizar a diversidade, o que é problemático em um país marcado por diversas culturas, mas que, devido à sua história, tende a negar essas diferenças, deixando os brasileiros com uma autoimagem negativa em comparação com a "pureza" dos norte-americanos e europeus.

No que diz respeito à religião, essa situação lamentável cria um ambiente em que a crença ou a falta de crença de uma pessoa pode resultar em humilhação, perseguição e até violência física, com agravamento devido às profundas mudanças ocorridas no Brasil nas últimas décadas. De acordo com dados do IBGE, em menos de três décadas, o Brasil deixou de ser predominantemente católico para se tornar um país plural, com um aumento significativo de seguidores do espiritismo, candomblé, umbanda, ateísmo, agnosticismo e, especialmente, evangélicos. Este último grupo é diversificado, com várias denominações que têm rituais, doutrinas, teologias e visões de mundo distintas, muitas vezes levando a tensões, rivalidades e casos de intolerância religiosa entre elas, em meio a um mercado religioso cada vez mais competitivo.

A presença de várias denominações evangélicas em um mesmo bairro e, às vezes, na mesma rua, é uma característica marcante nas grandes cidades, especialmente nas periferias, como Ribeirão das Neves. Este município, no censo de 2010, já tinha a segunda maior proporção de evangélicos (35,9%) entre os 853 municípios de Minas Gerais e provavelmente, em 2023, já superou o número de católicos, tornando-se predominantemente evangélico. Essa expansão é explicada, em parte, pela falta de presença do Estado em áreas como cultura, lazer, esporte, assistência social e empregabilidade. Na periferia, essas igrejas não são apenas locais de culto, mas também funcionam como centros culturais onde os jovens podem aprender a tocar instrumentos musicais, participar de grupos de teatro, dança e outras atividades. Além disso, nas áreas de assistência social, saúde, educação e segurança pública, as lideranças religiosas locais tentam suprir as lacunas deixadas pelo Estado. Portanto, para as comunidades da periferia, as igrejas desempenham um papel muito mais amplo do que simplesmente um espaço de fé.
Dada essa importância, é fundamental compreender e dialogar com essa parcela da população, indo além do estereótipo criado pela exposição excessiva dos chamados "Coronéis da fé" na mídia, que muitas vezes usam a fé para promover fanatismos e preconceitos, propagando discursos de ódio contra outras religiões e minorias. É importante reconhecer que o grupo dos evangélicos no Brasil é diversificado, e na maioria dos casos, suas igrejas são frequentadas por pessoas que desejam simplesmente exercer sua fé e seguir os ensinamentos de Jesus, que enfatizam o amor ao próximo, sem instrumentalizações políticas e ações oportunistas de falsos profetas da fé. Por fim, em resposta à pergunta que dá título a este artigo, após um debate respeitoso em sala de aula, meus alunos e eu chegamos à conclusão de que, na verdade, não se trata de discutir religião, mas sim de respeitá-las, todas elas, pois o respeito é uma via de mão dupla. É inútil exigir respeito pela minha fé ou falta de fé enquanto desrespeitamos a fé ou falta de fé do outro.

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