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Marcos Antonio Silva

Há muito tenho estudado, junto a alguns grupos em Ribeirão das Neves, a questão da relação dos moradores com a cidade. Nosso intuito é dar visibilidade a representações positivas da cidade, que fujam dos estereótipos pelos quais a grande mídia nos apresenta, mas sem esconder e enfrentar os reais problemas por nós vivenciados no Município. Em nossas discussões concluímos que aumentar o sentido de pertencimento de nossa população frente o local onde mora se mostra como algo fundamental para que tenhamos uma cidade melhor, pois é impossível fazer frente as dificuldades apresentadas por Ribeirão das Neves sem ter uma população formada por pessoas que se sintam pertencentes e que queiram transformar essa localidade em um lugar melhor.

Nesse processo reflexivo crescemos muito em nossa compreensão e nos libertamos de complexos que roubavam a nossa essência e não permitia que nos enxergássemos como singulares, fortes, resistentes, talentosos, honestos, humanos entre outras inúmeras qualidades que tive o privilégio de perceber nesses 35 anos de convivência com as pessoas dessa cidade. Gosto de brincar que Neves é o Brasil em miniatura, pois o processo de negação da identidade frente á cidade por parte de seus moradores, também é observado, em uma escala maior, em parte significativa do povo brasileiro. Devido nosso processo de colonização, que teve início com os portugueses e não se engane continua até hoje, o qual utiliza como principal arma a desconstrução da estima de nosso povo e tem como seus maiores beneficiados uma microelite econômica local - aqueles 1% que concentra mais da metade das riquezas do Brasil - aliada a interesses internacionais. Esse processo de colonização nos transformou em o que o escritor Nelson Rodrigues chamou de portadores de uma síndrome de vira-lata. Assim, por nos acharmos naturalmente inferiores, atrasados, menos inteligentes, indecentes e menos honestos que os demais povos do mundo, detalhe na maioria dos casos sem nunca ter visitado outro país, aceitamos viver em uma realidade que nos culpa pelas próprias mazelas as quais somos submetidos, pois a partir dessa visão merecemos pagar uma das maiores taxas de juros do mundo e bancarmos um sistema tributário onde pobres pagam mais impostos que os ricos – inclusive os pobres coitados integrantes da classe média que se acham ricos - e ao mesmo tempo não termos uma educação pública gratuita e de qualidade, um sistema de saúde que funcione, um transporte público descente, um trabalho digno entre outros direitos mínimos que garantem a dignidade humana. O fato mais revoltante, tudo isso ocorre dentro de um país riquíssimo, pois pra quem não sabe somos a 8° maior economia do mundo.     

Voltando à identidade nevense, um movimento que chama a atenção e permite que eu apresente as conclusões tecidas acimas é o fato de que por inúmeras vezes em eventos sociais fora da cidade ao encontrar amigos de infância, familiares e pessoas conhecidas nascidas e criadas em Neves, inclusive entendidas como “bem sucedidas acadêmica e economicamente”, quando toco em questões ligadas as nossas vivências na cidade, esses desconversam com medo de serem reconhecidos por pessoas de seu atual convívio como moradores e ex-moradores de Ribeirão das Neves, assim aceitando e confirmando estereótipos que injustamente nos são atribuídos.

Como descrevi acima, entendo o processo de assujeitamento e desconstrução da autoestima a que foram submetidas essas pessoas e as levaram a sentir vergonha de quem realmente são, mas gosto de dizer a elas, em uma tentativa de dar um sacolejo em sua autopercepção, que aprendi a não trair raízes com os grandes. O primeiro desses grandes é nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade, sua poesia rodou o mundo e lhe deu todos os prêmios possíveis. Drummond viveu por vários anos no Rio de Janeiro, mais devido a sua grandeza do que por sua própria escolha, pois quando nos debruçamos sobre o tema mais recorrente de sua escrita encontramos Itabira, cidade mineira não tão central, mas que teve o gigantismo de seu povo e paisagem utilizada como matéria prima para obra de nosso poeta.  Drummond era Itabira e Itabira era ele, o quintal da casa simples que viveu durante sua infância de menino do interior era metáfora para falar do mundo e sensibilizar até os corações mais duros. Outro grande da literatura Brasileira, o também mineiro João Guimarães Rosa é mais um exemplo médico, embaixador do Brasil na Alemanha, falante de vários idiomas e dono de uma inventividade literária que conquistou fãs em todo o planeta escolheu como tema de sua obra as histórias vividas pelas pessoas simples de sua terra natal, Cordisburgo. Para ele o Sertão era o Mundo e Mundo era o Sertão, em sua obra descreveu a grandeza, a inteligência, a sagacidade e a sensibilidade dos sertanejos, os quais eram classificados pela sociedade Brasileira entendida como “culta” como capiais, D’a roça, ingênuo, “sem cultura”, entre outras expressões preconceituosas. A grande ironia de sua obra é mostrar aos desavisados sobre o que é de fato cultura – inclusive os pseudo-intelectuais de plantão que reverenciam sua obra sem entender nada. Rosa nos mostra que na verdade são justamente eles o real  problema do Brasil, pois suas baixa estima, colonizadas e subservientes  até o osso, lhe fazem acreditar que só por viverem em um grande centro, terem acesso a teatro, cinema e a uma educação formal são mais “cultos” que as outras pessoas as quais classificam caridosamente como “humildes” – eufemismo para ignorantes.

No campo da música os exemplos são infinitos. O primeiros é Tom Zé, o homem de Irará, cidade como outras muitas do interior da Bahia, comum, pacata até hoje lar de poucos milhares de habitantes, a qual, se não fosse por seu mais celebre habitante, que a fez tema principal de sua obra descrevendo em suas músicas seus personagens, lugares e curiosidade , talvez não seria por nós conhecida. A tropicália, movimento de ruptura da música brasileira que Tom Zé ajudou a construir, pode ser entendida em parte como movimento do artista mostrando Irará para o mundo.

Para aproximar do universo da periferia temos outros dois nomes que merecem citação. O primeiro Mano Brown, intelectual orgânico, nascido e criado na favela, transformou a exclusão do jovem, negro, abandonado pelo pai e assediado pelo mundo do crime em arte. Descreveu a realidade da periferia paulista como poucos e falando da gente de sua quebrada ajudou a criar um dos braços mais autênticos da Música Popular Brasileira. Por fim, orgulhosamente podemos citar a pequena gigante Tamara Franklin, mulher, preta e nevense. Essa artista tem como matéria prima para o seu trabalho a crítica a todo o peso que tenta nos diminuir e ser menos. Sua obra fala do que nos singulariza como povo e que os outros tentam transformar em estereótipo.  Quando escutei o disco da Tamara, tive a feliz constatação; “essa foi salva do veneno do preconceito de raça , de gênero , de classe e de origem”, ainda mais tenho fé que o seu som pode servir de antídoto para o processo de desconstrução da estima da juventude nevense. Em suas letras, Tamara, assim como Drummond e Guimarães Rosa, mostra que valorizar as raízes é caminho para nos tornarmos grandes, pois nossas vivências na cidade, boas ou ruins, nos faz ser quem somos, ainda mais mostra que tudo que fazemos reflete nossas origens e não reconhecer isso nos faz ser uma imitação, uma fralde e esse alto engano nos apequena, destroem nossa estima e nos torna menos do que poderíamos ser.  

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Será porque estamos novamente discutindo a maioridade penal?

É difícil entender como o povo brasileiro se deixa ludibriar e não enxerga as coisas. Veja os fatos, no auge das investigações do "Petrolão", escândalo que expõe as vísceras da política brasileira e mostra que possuímos uma democracia de fachada onde o poder econômico é soberano e que a grande maioria dos nossos representantes (do PT, do PSDB e dos demais partidos) foram eleitos com dinheiro de empresas e não governam para o povo, e sim para essas empresas. Neste rico cenário onde temos a chance de mobilizar a sociedade brasileira para a urgência de uma reforma política que diminua a influência do poder econômico nas eleições (por que infelizmente acabar com essa influência é um sonho ainda distante). Exatamente neste momento que cada vez fica mais claro que uma simples troca de atores não irá mudar o rumo da novela que é a política brasileira e que novos políticos respeitando as mesmas regras eleitorais não irão fazer diferente dos que aí estão para se manter no poder.

Justamente nesse cenário coloca-se em votação o texto que discute a maioridade penal, no velho estilo de tentar resolver os problemas do mundo com leis, velho estilo de Riobaldo personagem de Guimarães Rosa em "O grande Sertão Veredas", que a todo momento propõe leis como "Deveria de existir uma lei que proibisse a miséria no mundo". Sem questionar o mérito da lei que realmente divide opiniões, mas que qualquer especialista que trata da criminalidade no Brasil, sem fazer muito esforço comprova sua ineficácia para resolver o problema da violência no país, que por sinal passa muito longe de uma simples política de segurança pública.

Enfim, essa não é a questão, o fato é que esse tema está servindo como rota de fulga para os políticos e empreiteiros envolvidos no "petrólão" , pois a discussão da maioridade penal neste momento encobre o fato que já está sendo preparada uma "pizza gigantesca", onde como no "mensalão", serão condenados dois ou três "bois de piranha" que vão ser o judas (a exemplo de Zé Dirceu, Genoíno e Marcos Valerio) e a grande maioria dos envolvidos nos processos serão absolvidos por insuficiência de provas. Nada vai mudar na dinâmica política brasileira e daqui a mais quatro anos iremos novamente vivenciar a festa da democracia e votaremos.

 

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Nova gestão e todos se perguntam qual a prioridade para os representantes que assumem a política em Ribeirão das Neves. Seria saúde, educação, pavimentação de ruas, saneamento básico? Estas que são eternas demandas das quais nossa cidade é tão carente e que entra gestão, sai gestão, insistem em perdurar.

Eu ousaria, no entanto, apontar outro desafio que esta nova gestão deveria assumir como prioritário: o desafio de se criar de fato uma “cidade”. Talvez esteja sendo radical em afirmar que não temos de fato uma cidade ,mas afirmo isso tendo em vista que uma cidade não se constitui por ter um posto de saúde, uma escola, uma estrada bem pavimentada, uma praça. Uma cidade é isso e muito mais. Uma cidade é feita sobre tudo pelas pessoas que vivem neste local e acreditam que ali é um bom lugar para ser viver a vida em sua totalidade. Onde as pessoas tenham possibilidades de trabalhar em empregos dignos, onde tenham um teatro para que os  seus jovens possam conhecer e expressar sua arte, onde tenham o cinema para levar a namorada, um parque para praticar esportes, brincar, se divertir ou para simplesmente fazer nada.

Assim, uma cidade só é uma cidade quando esta tem um povo que tem orgulho e prazer em viver e estar ali, caso contrário temos apenas a fria denominação administrativa de município, impessoal e sem vida.
Esta análise não consiste em uma simples constatação de um único e pretensioso observador, vários estudos dentre eles o mais recente, realizado pelo Instituto Horizontes no ano de 2011, aponta que o estimulo do sentimento de pertencimento dos cidadão nevenses para com o sua cidade deve ser entendido como elemento de extrema relevância para que o município de Ribeirão das Neves possa de fato alcançar níveis de desenvolvimento semelhantes ao de cidades da Região Metropolitana como Contagem, Nova Lima, Betim e Belo Horizonte. Desta forma, torna-se  necessário que primeiro os seus habitantes gostem, valorizem e se conscientizem das possibilidades do local onde moram para que as demais pessoas, que estão fora da cidade acreditem, respeitem e invistam em Ribeirão das Neves e em seus habitantes.

Mas o que constatamos em pesquisas recentes realizadas pelo Observatório de Ribeirão das Neves, é que este sentimento de pertencimento á cidade inexiste ou existe de forma muito germinal em sua população. O que se percebe muitas vezes, é que temos uma “população que está em Neves é não é de Neves”. Explico melhor; temos no município um grande contingente de pessoas que vieram habitar a cidade devido à proximidade da capital Belo Horizonte, pelo baixo custo de seus lotes, para ficar mais perto de um parente que esta cumprindo pena nos presídios da cidade ou outros motivos, mas que quando ascendem socialmente abandonam o município. No caso dos nossos jovens que tiveram acesso a universidade isso e mais grave ainda, pois assistimos a migração para outras localidades das mentes que poderiam tanto contribuir para o  desenvolvimento da cidade.

Mas a grande questão que se coloca então é a seguinte: De quem é a função de gerar na população este sentimento de pertencimento? A resposta é a mais óbvia possível. Está é uma preocupação que deve ser de todas as pessoas que aqui moram, mas de uma forma especial do poder público, em suas diferentes instâncias. Seria leviano exigir somente de nossa população, em especial os jovens, uma postura de pertencimento frente a município onde não há opções de lazer, cultura, assistência médica e ensino de qualidade, onde se tenha que passar preciosas horas de seu dia no deslocamento para capital em um ônibus lotado sem o mínimo conforto. Mas seria leviano também exigir somente de nossos representantes esta postura, todos temos que buscar realizar leituras de Ribeirão das Neves valorizando que a cidade tem de melhor, não reproduzindo facilmente estas representações pejorativas como “Ribeirão das Trevas”, e principalmente buscando meios para contribuir com as soluções dos problemas enfrentados pelas cidade.

O desafio está posto, mas como vimos gerar o sentimento de pertencimento da população de um município com o perfil de Ribeirão das Neves não e fácil , mas ao mesmo tempo possível e necessário para que possamos vislumbrar um futuro de desenvolvimento econômico, justiça social e preservação ambiental como foi citado no discurso da agora Prefeita Daniel Correia. Por fim cabe desejar aos nossos novos (alguns nem tão novos assim) representantes o que Nicolau Maquiavel , filosofo Italiano do Século XVI , apontou como essencial para um bom governo: Fortu e Virtú (sorte e virtude).

 

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