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A Cidade e o Ribeirão

“Se sou o Ribeirão, não sei
Sei que ele ecoa em mim.”
(Danilo Horta)

O escritor Roland Barthes em a “Aventura Semiológica”, afirma que a cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma linguagem: “a cidade fala aos seus habitantes, nós falamos à nossa cidade”.

Para a pesquisadora Valéria Aparecida S. Machado, a Literatura pela capacidade de promover o descolamento de elementos para a construção de novos significados opera como uma leitura que confere “um sentido e uma função” aos cenários da cidade, ordenando o real e lhe dando um valor.

Também a ensaísta Lucrécia D' Aléssio Ferrara, no livro “Olhar Periférico”, pontua: “por sobre as causas e consequências do fenômeno urbano estão as imagens da cidade: ruas avenidas, praças, coretos”, apontando para o fato de que a cidade se dá a ler nessas imagens e signos que a constituem, podendo ser transfigurada e reconstruída numa diversidade de significados.

Dessa forma, a literatura, na tentativa de suscitar uma reflexão sobre os modos como o homem se relaciona com o meio urbano, pontua que é neste espaço que se pode construir significados novos, mas sempre referenciando o passado.

No contexto da modernidade, como situar Ribeirão das Neves baseado nos conceitos literários e antropológicos? Como seus habitantes a vivenciam? Que imagens são guardadas na memória de seus habitantes. Que olhar dar ao município?

As explicações do arquiteto e artista plástico, Almandrade, sobre “cidade”, apontam caminhos para um melhor entendimento. Segundo Almandrade, estamos sempre a falar da paisagem urbana a partir de nossas relações com as contradições sociais, com o passado que a memória não esqueceu ou com os conflitos e harmonias que fazem o presente. E é sobre esse ângulo que se encontra uma causa, uma explicação para as imagens onde a cidade se deixa perceber.

Ainda segundo Almandrade, é na forma de imagens que a cidade ganha uma existência concreta na memória de seus habitantes, e que também documenta as mensagens do tempo. Isso porque sem as imagens que habitam a sua própria memória, a cidade estaria perdida num fragmento do tempo. Sem recordações o presente não teria continuidade.

Vale dizer que é nas lembranças e recordações que a cidade tece a sua história e busca, na infância, os antecedentes de sua contemporaneidade. Assim, as imagens que armazenam ou evocam a memória, é um túnel que nos leva a revisitar o passado, dentro de um contexto que deverá nos ajudar a dar sentido ao presente e do qual vamos compreender o passado.

Pode-se concluir, então, que nos vários tempos vividos de uma cidade, estão encenados as imagens de seu espaço físico e os significados de seus núcleos históricos. Enfim, é perceber diante de tudo isso a cidade como um espetáculo de imagens e metáforas.

Origem e espaço urbanístico de Ribeirão das Neves

Para falar de Ribeirão das Neves e contextualizá-la como município metropolitano, é preciso sinalizar as interferências sofridas nas suas relações espaciais e sociais, e que fizeram do seu espaço urbano um lugar de contradições, entrevistos nas suas imagens e signos.

Ainda hoje, não é difícil constatar que o seu espaço não deixa de conter em si um projeto de cunho político e para entender melhor as relações de poder que medem forças no município, se faz necessário apontar a memória como o lugar do entendimento e também de resistência a tudo de bom e ruim que a cidade vivencia. Ela, a memória, é o instrumento que serve para balizar as certezas e apontar as dívidas advindas de anos de desmandos políticos.

Para situar Ribeirão das Neves no Século XXI, e entender todas as suas carências e contradições, é preciso, antes de tudo, explicitar a sua origem e as mudanças ocorridas em seu território, ao longo de décadas. Hoje, a cidadezinha do interior só está na memória e em fotografias em branco e preto. O cenário atual é de um gigante com mais de 300 mil habitantes, que sangra por mais investimentos por parte dos governos federal e estadual, que venham alavancar o seu desenvolvimento econômico e social, melhorando, significativamente, a qualidade de vida dos seus moradores.

O Povoado de Neves começou em 1923, e as referências são uma rua, uma igreja, uma vendinha, um grupo escolar e poucos moradores. Em 1927, o Estado desapropriou algumas fazendas, entre elas parte da Fazenda de Neves, onde foi construída a Penitenciária Agrícola de Neves (PAN). Em 1938, a PAN foi inaugurada e no seu entorno começou o primeiro núcleo populacional da cidade. Considerável parte dessa população urbana vivia de empregos da PAN.

Lentamente, depois de pertencer aos municípios de Contagem, Betim e Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, em 12 de dezembro de 1953, fez a travessia de distrito para cidade. O Estado foi construindo outras unidades prisionais no município, confirmando a sua intenção de transformar o município em um “espaço carcerário.” Entretanto, as implantações dos presídios não foram acompanhadas de investimentos relevantes que melhorassem a qualidade de vida da população, pois os serviços essenciais como saúde, educação, infraestrutura e saneamento, habitação e geração de renda, continuam precários.

É na década de 70 que Ribeirão das Neves entra no cenário metropolitano, não exclusivamente como “espaço carcerário”, mas também sob o codinome “espaço popular.” Isso porque passou a ser palco da especulação imobiliária, que abriu na cidade vários loteamentos irregulares, em sua maioria, ocupados por população de baixa renda.

A falta de um Plano Diretor (PD) que norteasse a ocupação e uso do solo urbano, acarretou o inchaço populacional, transformando o município num dos mais pobres do Estado de Minas Gerais, apresentando um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) comparado aos municípios do Vale do Jequitinhonha. Assim, Ribeirão das Neves passou a conviver com uma gritante injustiça social, recebendo, concomitantemente, os estigmas de “cidade presídio” e “cidade-dormitório”. Dessa forma, o quadro de carência, miséria e exclusão, consequência da grande concentração populacional e da falta de recursos públicos para atender as inúmeras demandas no que tange aos serviços essenciais, ilustra o dia a dia de uma massa de trabalhadores sofrida e desinformada e que grita por uma vida com mais dignidade.

Paola Rogêdo Campos, doutoranda em Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em sua tese sobre Ribeirão das Neves, afirma que o município é um aglomerado urbano (Centro, Veneza e Justinópolis). Segundo Paola, a relação espacial entre as regiões é bastante tênue e desconexa, o que evidência o processo desigual da ocupação territorial. A presença de grandes vazios e as conexões com o entorno configuram, segundo Paola, uma articulação fragmentada do espaço e, por isso, ela chama o seu estudo de "Arquipélago de Ribeirão das Neves", ou seja, a metáfora de um "arquipélago" é a comparação de um espaço fragmentado, desarticulado e sem identidade.

O certo, porém, é que, desde a criação do município, os processos decisórios ainda são comandados e coordenados pelo Estado, “de cima para baixo” e “de fora para dentro”, como instâncias de poder superior separadas da política local. Vale dizer, portanto, que há forças políticas em conflito: de um lado um “bairro popular” e, de outro, uma originária “cidade-presídio”. Enfim, constatar essa afirmação no dia a dia do município não é um blefe. Ribeirão das Neves é articulado e comandado de fora pelo governo do Estado de Minas Gerais, que era - e ainda é - o grande organizador do espaço municipal.

Aniversário

“Se sou o Ribeirão, não sei
Sei que o levo comigo
E deixá-lo não consigo”.

Completar 60 anos de Emancipação Política é tão emblemático para Ribeirão das Neves como são também os versos do poeta nevense, Danilo Horta, que traduziu em poesia o sentimento de pertencimento, desvendando através da memória, o modo único de viver de uma cidade.

O Ribeirão que nasce no morro do Anil e que passa cortando a cidade, é mais que a origem do nome “Ribeirão das Neves”.  O “Ribeirão” é um símbolo. A história que dele emerge traz um emaranhado de significados e saudades e, principalmente, porque através dele se busca uma identidade. Uma identidade que estabeleça relações entre o sujeito do “agora” e as histórias que a cidade conta.

Por isso, ainda que os conflitos oriundos das profundas transformações no espaço urbano de Ribeirão das Neves, e que impediram a preservação da memória, o respeito às tradições, em diferentes tempos da cidade, ao comemorar o seu aniversário, é pertinente ter um olhar pelos seus significados, desvendando não só a sua geografia, mas também a sua alma, o sabor e as cores. Fazer uma viagem sentimental às ruas, bairros, enfim, aos espaços que cantam a sua história, lembrando sempre que, mesmo fragmentada, Ribeirão das Neves traz no nome o elemento primordial do seu nascimento, e ele significa hoje não só saudade, mas também esperança, pertencimento e a busca pelo progresso.

E por falar em memória, deve-se lembrar da “Epifania do 1º Ribeirando”, festa que aconteceu no dia 12 de dezembro de 1999, quando o município completou 46 anos de Emancipação Política. O 1º Ribeirando foi uma visita à nossa memória: a cidade, as ruas, as pessoas com quem se conviveu, os amigos, os parentes, os antepassados, as festas, o modo de viver dos moradores, os causos... Enfim, ao chamamento da saudade. Tudo sendo revisitado: os caminhos extintos pelo tempo, as sessões de cinema reprisadas na lembrança, os jardins em cores, os sons e aromas de uma “Esplanada”, a algazarra dos tico-ticos, os ribeirões despoluídos, as horas dançantes na casa dos amigos, a religiosidade, a amizade, o silêncio, a simplicidade... O 1º Ribeirando reverenciou a história de Ribeirão das Neves e abriu caminhos firmes para que o presente seja um permanente compromisso com o futuro, ficando, também, a certeza que amar o chão onde se nasce é fator preponderante para a construção da cidade e de sua identidade. O 1º Ribeirando foi o encontro de nevenses com a sua identidade, e que deixou marcas indeléveis. Quantos hoje sonham com o 2º, 3º Ribeirando.

Não podemos esquecer: somos ribeirão, terra, praça, prédios, escolas, igrejas e mundo. Existe em nós uma gigante cidade interiorana, mas, principalmente, um “Ribeirão Simbólico.”

Fica aqui o carinho e o abraço a Tânia Mara Carlos de Oliveira, então primeira dama do município, idealizadora que tão bem conduziu o 1º Ribeirando, festa que permitiu a diferentes gerações da cidade uma participação efetiva na organização da festa, oportunizando a todos o conhecimento da sua história.

 

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