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Uma Cidade em Dois Tempos

1º Tempo

Ao completar no dia 12 de dezembro 58 anos de Emancipação Política, Ribeirão das Neves se distância cada vez mais de uma cidadezinha do interior. Hoje, definitivamente, está inserida no mundo globalizado e vive todas as contradições de uma cidade grande, interconectada ao mundo pós-moderno, na qual as referências extrapolam o terreno das nossas vidas.

Ao se conectar ao “mundo mediático”, Neves se integrou a ele e passou a ter também a intermediação dos meios de comunicação, deixando para trás uma realidade que era composta apenas do que estava à nossa volta, pois não havia o intercâmbio e o enorme fluxo de estímulos que caracteriza a sociedade da informação.

Se, em 1953, quando se emancipou, Ribeirão das Neves era um bucólico e romântico lugarejo que abrigava uma Penitenciária Agrícola e tudo girava em torno dela, em 2011 o cenário é outro, é uma grande cidade de concreto. Tem uma população numerosa, que vive todo o stress pós-moderno: trabalhadores que suam a camisa e enfrentam filas de ônibus, nos hospitais e postos de saúde. Que está nas páginas e manchetes dos jornais. Que vive um cotidiano de violência, de tumulto no trânsito, nas calçadas, de política e de pobreza. Além disso, nestes 58 anos, o município traz também a marca de um crescimento desordenado e um atraso econômico e social, o que impõe aos moradores um dia a dia de muitas carências.

A Ribeirão das Neves do século XXI é uma cidade fragmentada e de muitos migrantes e que ainda não têm para com ela o sentimento de “pertencimento”, o que impede o surgimento de uma identidade nas relações sociais entre os moradores. Por outro lado, o alto índice de analfabetismo acarreta pouco envolvimento da população nos movimentos sociais, dando oportunista para que políticos usem a falta de conscientização política dos eleitores, perpetuando a política do coronelismo. Por isso, ao longo de décadas, Ribeirão das Neves convive com indicadores sociais tão injustos, além de apresentar um Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – mais baixo do Estado de Minas Gerais, comparado aos municípios do Vale do Jequitinhonha. Politicamente é um curral eleitoral de 152 mil eleitores e, por isso, é extremamente cobiçado por políticos oportunistas e paraquedistas, que invadem o município só em período de eleições, quando fazem promessas mirabolantes aos moradores, mas passadas as eleições, somem.

Porém, é justo afirmar que, nos últimos cinco anos, o município avançou, se comparado as décadas passadas. Setores como saúde, segurança e assistência social chagaram de forma mais tangível à população, melhorando o atendimento e, consequentemente, a qualidade de vida dos moradores. Bairros antigos ganharam cara nova com a chegada de infraestrutura e saneamento básico, serviços básicos que eles não contavam há mais de 30 anos. Mas ainda assim, há muito a conquistar. A cidade precisa de indústrias para alavancar o seu desenvolvimento e melhorar sensivelmente o transporte coletivo, que é precário e desumano.

O anúncio feito pelo Executivo Municipal quando da instalação de novas empresas no  município, alimenta a esperança de mais geração de empregos para a população, o que vai melhorar de forma significativa a qualidade de vida dos seus cidadãos, trazendo de fato, o desenvolvimento econômico e social, mudando a cidade para outra muito melhor: mais justa e solidária.

2º Tempo

Ribeirão das Neves não é mais uma cidade pequena, mas ainda carrega traços de cidade interiorana. E este traço é bem forte nas pessoas que nela nasceram e cresceram. As lembranças da Neves da minha infância é prazerosa e, especialmente, afetiva. Por isso, ousadamente me inspirei no poema do grande poeta Carlos Drummond de Andrade (que este ano completaria 109 anos e tem a sua obra reeditada e revisitada pelos amantes da boa literatura), para escrever uma crônica sobre Neves.

Em Cidadezinha Qualquer, Drummond mostra a mesmice e a simplicidade de uma cidadezinha e usa os elementos semânticos das palavras para mostrar a simplicidade peculiar da vida interiorana isenta de qualquer atividade inédita, mas de uma riqueza palpável, real, sem a imposição da mídia e de uma informação mascarada.

Enfim, o poema Cidadezinha Qualquer pode ser analisado dentro de uma abordagem filosófica. O “eu” que busca a essência ou um caminho e que relativiza o “real” e o “essencial”. Ainda, um olhar que se volta para a cidade natal de forma aparentemente banal, mas que, é na realidade, uma identificação afetiva.

As cidades precisam crescer e se desenvolver. Todos nós cidadãos nevenses queremos isso para Ribeirão das Neves. Porém, a Neves da minha infância é como uma poesia e que não está só nas fotografias em preto e branco colocadas nas paredes das casas ou nos arquivos. A que tenho guardada  na memória, é de uma cidade que não cresceu.


“As cidades não deveriam crescer. Assim, seríamos sempre crianças, mesmo adultos”.

Frei Beto.

 

Minha cidade

Se Neves não tivesse crescido, eu, ainda, hoje, brincaria nos ciprestes do largo da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Neves, no frio mês de maio, nos ensaios para coroar Maria. E, nos domingos, assistiria ao catecismo de dona Santinha. A volta para casa seria sem pressa, sem nenhuma mãe para vigiar, porque as casas eram tão perto e tão poucas e a dona rezadeira era conhecida de todos os pais. Ela dominava a arte de conduzir os meninos e meninas para as coisas de Deus, da fé e da religiosidade, que mais tarde se transformariam em valores morais e éticos.

Se Neves fosse ainda pequena como a conheci, as casas só teriam tramelas destrancadas. Portas e janelas cochilariam encostadas. Ao final de tarde, os bancos nas calçadas, trariam homens, mulheres e crianças para embalar o por do sol. Enquanto os pais ponham a conversa em dia, as crianças brincavam de roda e de esconde-esconde.Todas as manhãs acordaríamos com o cantar dos pássaros e, a seguir, as vozes do leiteiro e do entregador de pão, fariam-nos pular da cama.

Se Neves não tivesse crescido, as mercearias seriam ainda um templo solene do pão de cada dia. Em uma delas estaria Zé Miúdo, que sem pressa, tiraria o lápis atravessado na orelha e anotava tudo numa caderneta. Ali estava um mosaico, sacos de feijão, arroz, farinha, utensílios, lingüiças penduradas, queijos e doces, e, ele, sabia onde ficava cada coisa. A anotação no papel, como uma ladainha, substituía o dinheiro. 

Minha cidade exalava um cheiro de mato. As casas surgiam a partir de uma rua e de uma praça. Por entre as pernas delas corriam um Ribeirão sem poluição. De lá os tico-ticos anunciavam o raiar do dia. Aos poucos, a porta da escola se abria para o alvoroço de meninos de calças curtas e meninas de saias azuis pregueadas. Após a aula, a queimada, o rouba bandeira, a bola de meia e a bola de gude impediam a volta para casa. Quando chovia, a criançada de sapato na mão cavalgava nas enxurradas, que corriam pelas ruas sem asfalto.

Se Neves não tivesse crescido, ir ao Cacique na casa do meu tio Jaime, seria infinitamente longe. Na esquina da minha rua ainda teria a casa de João Grande, que mantinha cães bravos na porta da casa, me impedindo de levar café para o meu pai na barbearia. Belaco, Tariba, Bandeira e Mudinho ainda estariam povoando a minha cidade, fazendo graça ou provocando medo, eu tinha. As comadres e compadres encontrariam pelas ruas para contar causos e falar das levadezas dos filhos. Minha mãe ainda receberia a rapadura do compadre Nonô Carlos.

Minha cidade tinha um bairro que era um jardim. As flores e os ciprestes nas portas das casas deslumbravam todos os moradores, visitantes e pássaros. Os beija-flores faziam festa num bailar sensual. As palmeiras imperiais ornamentavam a entrada de um presídio, num tempo em que a polícia só zelava pelo sono tranqüilo de todos. Avenidas não existiam. De vez enquanto passava um automóvel. Todo mundo conhecia todo mundo, ao menos de vista. E, o filho de fulano valia, currículo não existia, bastava o sobrenome.

Se a minha cidade fosse ainda pequena, as Aldinhas, as Marlis, as Ilkas, as Elizabetes, os Otos, os Manuéis e os Jacis estariam ditando números para nos fazer concentrar ou declamando versos para  nos fazer pensar, mas com o objetivo de fazer daqueles adolescentes, pessoas de bem.

Se Neves não tivesse crescido, seria um RIBEIRANDO SEMPRE, fazendo as Marias, os Josés, os Joãos, os Carlos, as Terezas, os Antônios, as Helenas, as Tânias ... mais felizes, pois o Ribeirão que está dentro de nós faz parte da nossa história e da identidade que queremos resgatar.

Mas minha cidade cresceu. Eu também cresci. Porém, o meu olhar me ensinou o caminho para voltar à minha cidade de verdade e matar a saudade. Assim, prazerosamente, escondo-me na memória, dela vislumbro e brinco de menina na cidade que não mudou.

 

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